( AINDA) SOBRE A TERRA

Porque ontem foi o dia da Terra, penso na imagem dela, Terra, planeta, e descubro que não me canso de a olhar. As fotografias de que hoje dispomos, tiradas a partir do espaço— e da Lua— fazem mais pela consciência planetária do que muitos discursos e profissões de fé ecológicas. Tudo começou, salvo erro, com a missão Apolo XI, já lá vão muitos anos, revelando imagens que nunca os homens tinham visto. Uma esfera azulada, ligeiramente achatada nos pólos, cintada de continentes e relevos, mas azul de água, branca de nuvens, cheia, plena de água, a ponto de alguns proporem a mudança de nome do nosso astro, de Terra para Água. A impressão foi forte. Qualquer que seja a sua origem e o seu credo, a sua geografia e maneira de pensar, todos os humanos, parece, podem sentir um arrepio ao verem de frente a sua casa ancestral. Por momentos, torna-se presente o velho belo e utópico sonho de fraternidade universal. Aquela é a plataforma comum, o berço global, o lar de todos. E se nos surge grande, fazendo-nos pequenos face à imensidão daquele ponto de luz no espaço negro, um segundo olhar devolve-nos a sensação de coisa familiar, especial e íntima, até frágil e preciosa por ser essencial e única. Um não sei quê de orgulho, de alívio, de pertença.
Se consciência planetária é alguma coisa, será esse arrepio, essa emoção partilhada.
Apesar de tudo, somos nesta esfera, estamos nela, os nossos pés fincam-se nela mesmo se o pensamento nos foge para outras estrelas, outras conquistas.
As actuais sondas dotadas de tecnologia ultra-sofisticada já nos enviam imagens de outras esferas que reflectem a luz do mesmo Sol, mas longínquas e estranhas. Marte é gelado e deserto, um mundo avermelhado e sépia, de pedras e gases irrespiráveis, ao que sabemos. Imagem que dá nostalgia do fresco azul-turquesa, do oxigénio e da clorofila. Saturno tem anéis de pedras e poeira cósmica, e luas onde já pousou o espírito humano, representado por sondas e robots teleguiados à distância; terão atmosfera? Talvez água? Ou tiveram alguma vez condições para a vida, ainda que «primitiva»?
A possibilidade da vida extraterrestre excita a nossa imaginação. Existe? Quando e se a encontrarmos, perde-se um exclusivo terráqueo— mas a Terra nunca perderá esse caso especial connosco, nunca deixará de ser a «nossa» miraculosa fábrica da vida.
A Terra, planeta azul, tem fotogenia, fica bem na TV, pulsa, e ainda tão pouco sabemos dela! Sem manual de instruções, vamos tacteando formas de aqui continuarmos a viver, de preferência sem ameaçarmos as nossas próprias condições e suporte de vida.
Lá passou mais um Dia da Terra; o jardim com liquidambares foi atravessado pelo vento, o rio Douro correu entre cinza e prateado, um melro cantou de cima de um freixo. E olhamos a imagem do planeta onde estas coisas simples e mágicas acontecem.

Bernardino Guimarães
(Crónica radiofónica «Um olhar sobre a cidade» na Antena 1, em 23/4/09)