Não é raro acontecerem o que se designa por «acidentes industriais», e seria fastidioso enumerar sequer os mais significativos das últimas décadas. Mas eventos demasiado trágicos permanecem na memória colectiva, como que sinalizando o grau máximo da irresponsabilidade humana.
Bhopal é uma pequena cidade, capital do Estado de Madhya Pradesh na Índia. Na noite de 2 para 3 de Dezembro de 1984, ocorreu o pior acidente industrial de sempre, quando de uma grande fábrica de pesticidas da norte-americana Union Carbide (hoje Dow Quimical Company) vazaram 40 toneladas de gases letais, como isocianato de metila e hidrocianeto, utilizado na fabricação de pesticidas. A nuvem tóxica espalhou-se por uma vasta região circundante. Meio milhão de pessoas terão sido expostas ao veneno. Vinte mil morreram, boa parte imediatamente, os outros nos meses e anos subsequentes. 150 000 foram afectadas por doenças crónicas como consequência dessa exposição. Os animais de criação e gado foram dizimados e as colheitas secaram.
Ainda hoje não está feita cabalmente a limpeza dos solos e da água, pelo que outras pessoas podem ser contaminadas, dada a presença no ecossistema de poluentes orgânicos persistentes e metais pesados como o mercúrio.
Para piorar este panorama catastrófico— que levantou um clamor de protestos no mundo inteiro e ficou sendo um marco no rol de catástrofes ambientais--, a empresa responsável…nunca aceitou sê-lo, ou melhor, negou culpas, atribuindo o acidente a um nunca provado acto terrorista e recusando que o caso fosse julgado na Índia, onde ocorreu, preferindo que tribunais dos Estados Unidos analisassem o caso. Mais grave ainda: durante anos, a Union Carbide não quis fornecer a identificação precisa das substâncias contaminantes libertadas, o que dificultou tremendamente o próprio tratamento médico dos afectados e a limpeza do território sinistrado. Limpeza que também por falta de responsabilidade financeira da Union Carbide (ou Dow Quimical, que veio a comprar e integrar a companhia alguns anos depois) nunca veio a ser feita. Ainda hoje se discute quem paga e quem faz— pelo que as concentrações de contaminantes no ambiente continuam a ser muito significativas, 24 anos depois.
Este acidente podia ter sido evitado. Demonstrou-se que a Empresa tinha cortado verbas ao seu programa de segurança e manutenção.
Também se percebe que, apesar de tudo, uma tal negligência só poderia ter sucedido num país pobre, e numa região mais pobre ainda, onde a poderosa multinacional não sofria constrangimentos de maior em termos de legislação ambiental e de segurança— até porque muito antes do acidente, a fábrica era tida como poluente impune da região, sem que nada tivesse sido feito.
As fábricas pertencentes à mesma companhia, situadas nos Estados Unidos, estavam já naquela altura dotadas de equipamentos que teriam tornado impossível um desastre de tal dimensão.
As vítimas foram os mais pobres dos pobres. Um bairro degradado, quase anexo à instalação industrial foi dos mais afectados, logo no início do acidente.
Para além dos mortos e dos doentes de ontem e de hoje, uma terrível herança irá pesar sobre as gerações futuras em Bhopal.
Esta ocorrência deve portanto ser relembrada. Para que seja mais difícil a sua repetição. E para que os envenenadores sofram alguma sanção, implicando o dever de reparar, ao menos, o que pode ser reparado.
Engana-se quem pensar que atentados ecológicos desta magnitude são coisa do passado. E só uma consciência ambiental e humana mais clarividente pode salvar-nos deste tipo de desastres
anunciados.
Bernardino Guimarães
sábado, abril 25, 2009
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o ser humano pode saber muitas coisas porem
ResponderEliminarnunca saberá de tudo,saber ouvir é mais que importante,pois a seguraça de muitos depende disto.
Um gas similar ao do Isocianato de metila é fabricado no RJ pela Bayer e nenhum dos moradores de belford roxo sabe disso...Temos que estar atentos a este fato...Sera que a Bayer uma potencia alemã é bem fiscalizada pelas autoridades pertinentes do RJ?nikollabarillagii@gmail.com
ResponderEliminarAchei ótima a matéria, Peregrino!
ResponderEliminarVou lhe relatar um atentado ecológico e criminoso que acontece aqui na região onde moro no interior do Estado de São Paulo - Brasil: há queimadas da palha da cana de acúcar que vão de junho a dezembro, todos os anos. Existem leis que regulamentam essa prática, porém os plantadores de cana não as observam e não há fiscalização por parte das autoridades competentes. Grandes fazendas onde antes eram destinadas ao agro-negócio e à pecuária estão nas mãos de arrendatários, plantadores de cana de açúcar. Usam pesticidas fortíssimos que durante os meses de queimadas contaminam o ar que respiramos, pois junto com a enorme camada de pó da cinza das palhas que somos obrigados a inalar, junta-se o veneno. Essa prática criminosa é feita, geralmente, de madrugada, na calada da noite... Aqui no Brasil não se ouve nem se vê reportagens sobre as queimadas irregulares. No inverno, com a estiagem e a baixa umidade, aumentam enormemente as infecções pulmonares e outras doenças respiratórias. Não sei dizer estatisticamente, mas há um crescimento significativo de câncer na população que pode, de acordo com alguns estudos, estar ligado às queimadas.
Já escrevi sobre isso em jornais da região. As vozes da denúncia não trazem lucro e o lobby dos usineiros é fortíssimo. Triste, Peregrino, esta situação.
Regina Gaiotto - Tietê/SP/Brasil
"Engana-se quem pensar que atentados ecológicos desta magnitude são coisa do passado. E só uma consciência ambiental e humana mais clarividente pode salvar-nos deste tipo de desastres
ResponderEliminaranunciados."
Sim, de facto, continuamos todos num puro engano.