segunda-feira, abril 13, 2009

BISONTE-EUROPEU, A LENDA VIVA


Bisonte-europeu pintado há 14 ooo anos nas grutas de Altamira, Espanha, a «Capela Sistina da Pré-História».

Corria o ano de 1920, ainda as cinzas da Guerra Mundial fumegavam. Na velha floresta de Bialowieza, cessavam os sons, que, durante milénios, denunciaram a presença dos bisontes. Este bovino selvagem, com a sua silhueta inconfundível, encontrara aqui, nestes bosques imensos, com árvores muito velhas, o seu último refúgio. Ainda seis anos antes, tinham sido contados 785 bisontes-europeus. Mas a guerra tudo levou, na sua voragem, e “a alma da floresta», seu indiscutível símbolo, foi declarado extinto. Não em definitivo, felizmente.
Graças ao esforço de dedicados conservacionistas, de várias nacionalidades, foi possível constituir um “stock” mínimo, distribuído por diversos zoos e parques privados. 54 sobreviventes deram origem à actual população. A maioria eram bisontes-da-planície (Bison bonasus bonasus) provenientes de Bialowieza, e os restantes pertenciam à subespécie do Cáucaso, dita “de montanha” (Bison bonasus caucasius), embora se tenha verificado cruzamentos das duas variedades, ao ponto de se tornar indispensável a criação de um registo de “pedigree” de modo a gerir o melhor possível o restabelecimento da populações no estado natural – objectivo nunca descurado.
Os bisontes regressaram em 1930 a Bialowieza, formando pequenas manadas que, no essencial, sobreviveram ás perturbações da II Guerra Mundial e puderam aumentar, gradualmente, os seus efectivos. Outros grupos foram sendo libertados na Bielorússia, Ucrânia e Rússia, e o seu número incrementou-se também em jardins zoológicos e reservas especiais em vários pontos da Europa. A sua dispersão favorece a prevenção de epidemias que poderiam se fatais a uma espécie que, ainda hoje, soma pouco mais de 3000 indivíduos no total. O extraordinário bisonte da Europa parece ter escapado a um destino fatal, dizimado pelos caçadores, expulso pelo avanço das actividades humanas, privado dos bosques que por todo o lado recuaram.
No entanto, esta lenda viva da fauna europeia frequentou as florestas de uma vastíssima área geográfica, desde o Atlântico, até ao Pacífico, através de enormes extensões euroasiáticas. Na Europa Central e na Rússia era ainda bastante comum no século XVIII, pelo menos em regiões mais remotas, e o seu declínio, decerto bastante gradual, acompanhou a sorte aziaga das grandes florestas, onde também viveu outro bovídeo selvagem, o mítico auroque (Bos primigenius) cujo último representante conhecido foi morto em 1627.
O bisonte-europeu parece nunca ter estado presente no território português (dado ainda não totalmente claro) mas em contrapartida a sua presença é testemunhada pelo homem pré-histórico em gravuras rupestres, na França como noutros locais. No período pós-glaciar, o bisonte existia mesmo na Escandinávia (Sul da Suécia) e em grande parte da Ásia.
Esta espécie quase não se distingue do seu congénere, o bisonte-americano. (Bison bison) cujo destino foi igualmente trágico e é porventura melhor conhecido, graças às sagas do Oeste da América, onde manadas somando milhares e milhares de animais foram chacinados pelos colonos europeus. Também os bisontes-americanos foram salvos in extremis da extinção, regressando depois à liberdade em rincões protegidos, mas o final das grandes manadas das planícies ditou a sentença final das tribos índias, que delas dependiam em larga medida.

UMA SILHUETA INCONFUNDÍVEL
Enorme e maciço, com uma bossa dorsal proeminente, uma “crina” grossa realçando os quartos traseiros, uma cabeça algo desproporcionada para o tamanho do corpo, um tom
castanho-escuro em todo o pêlo espesso, chifres curtos – eis o bisonte.
A sua presença dissimula-se bem no bosque, apesar das dimensões (cabeça-corpo 250-270 cm, cauda 80 cm, altura do garrote 180-195 cm) e do peso (até 1000Kg, geralmente menos). As pequenas manadas de dez a trinta bisontes des
locam-se através do labirinto vegetal salpicado de troncos de velhas árvores caídas. É mais fácil (mas nunca é fácil) avista-los ao princípio da manhã, pois os bisontes têm hábitos crepusculares e não costumam denunciar a sua presença durante a tarde, período de descanso dos grandes bovinos. Mesmo em Bialowiesa, onde hoje vivem uns 250 bisontes, só a sagacidade dos experimentados guardas florestais permite levar os visitantes até aos recônditos locais onde vive este ser tímido e secretivo. Os velhos machos, isolados da sua manada, passam sozinhos os seus últimos anos (em liberdade os bisontes raramente ultrapassam os 20 anos de idade – embora em cativeiro haja indivíduos com 40!)
O bisonte é herbívoro. Alimenta-se de gramíneas, rebentos, folhas, de arbusto e árvores, galhos. No Outono come bolotas e urzes.
Ao que parece, outrora, as manadas de bisontes-europeus efectuavam migrações, deslocando-se ao longo de vastos territórios, embora sem nunca igualar as imensas peregrinações do seu parente americano, cruzando as planícies sem fim.
Saber que a sombra poderosa destes animais ainda se projecta no lusco-fusco das últimas florestas intocadas do Velho Continente, traz-nos uma sensação que junta nostalgia e conforto. O espaço para que viva em liberdade é hoje exíguo e as velhas florestas, esse reino mágico de grandeza e mistério, são hoje pouco mais que uma saudade. Mas os bisontes que passam lentamente entre as árvores imensas, dão-nos um motivo de esperança. Nem tudo está perdido.
Bernardino Guimarães

2 comentários:

  1. Caro peregrino...
    Uma boa aula de hisória, geografia, e habitat...
    Tens mais um contigo a se preocupar e se empenhar nessa luta.
    Tenho esperança e acredito também... nem tudo está perdido.
    É uma bela espécie animal e merece sobreviver dignamente.
    Um abç.

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  2. "Saber que a sombra poderosa destes animais ainda se projecta no lusco-fusco das últimas florestas intocadas do Velho Continente, traz-nos uma sensação que junta nostalgia e conforto."
    Conforto promovido por quem tanto luta por causas tão nobres.

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