terça-feira, abril 21, 2009

DIA DA TERRA

Enquanto os tambores comunicacionais fazem ecoar a crise económica mundial, a tal que ninguém previu e ninguém preveniu, comemora-se o Dia da Terra, celebrado a 22 de Abril. Mesmo com escassa tradição entre nós, a efeméride não passará totalmente despercebida em Portugal. E falar-se-á do estado do planeta, das mazelas que lhe conhecemos, da nossa responsabilidade nas doenças planetárias, do que podemos fazer para lhe baixar, ao planeta, a febre e o esgotamento.
Fala-se inevitavelmente em «salvar a Terra». Mas será esse o apelo exacto, e necessário? Talvez, porque simplificando, a tarefa tem essa dimensão. Mas a Terra devia preocupar-nos porque vivemos nela e dela. Egoísmo humano? Verdade é que o nosso pequeno planeta azul passou muito tempo sem nós. A presença humana ocorre no último minuto, se considerarmos o tempo de vida que a Terra já leva, e mesmo a maravilhosa aventura da vida decorreu, na maior parte da sua lenta evolução, sem sinais do «Homo sapiens sapiens». Mais ainda: da mesma forma, a Terra passaria muito bem sem nós. Apesar dos estragos que lhe infligimos, se por acaso desaparecêssemos, a vida encontraria os seus caminhos sem esta espécie turbulenta e inquieta que é a nossa. Um ambiente terrestre tornado hostil à presença e prosperidade dos humanos, inviabilizando a civilização orgulhosa que construímos, não seria necessariamente vazio e estéril.
Causou sensação nos Estados Unidos e não apenas, um livro intitulado «O mundo sem nós» do autor de livros científicos Alan Weisman.
Na obra, uma catástrofe inesperada e brutal (não especificada) leva ao desaparecimento da nossa espécie. Weisman especula então sobre o que aconteceria na que é hoje Nova Iorque, desde o momento do desmoronamento humano até milhões de anos depois. Os escombros dos arranha-céus durariam décadas, apesar dos incêndios, mas o aço inoxidável das panelas perduraria por milénios e certos plásticos ficariam intactos durante centos de milhares de anos, pelo menos até que micróbios de nova estirpe evoluíssem para poderem consumi-los. Pior memória deixariam os reactores nucleares abandonados perto da grande cidade, porque sem sistemas de refrigeração a água, derreteriam, e o plutónio 239 radioactivo espalhar-se-ia, contaminando tudo nos séculos vindouros e originando estranhas mutações nas plantas e animais. Mas a história acaba com as árvores, estranhas árvores, rebentando os asfaltos de Manhattan e lobos e alces vivendo nos matagais de Wall Street. Mesmo com o chumbo, vertido pelos automóveis, que levaria 35 mil anos a dissipar-se dos solos. Como pormenor curioso, o escritor refere ainda que, passados milhões de anos, transmissões de televisão continuariam a percorrer o espaço exterior, talvez transportando pelo éter algum «reality-show».
A Terra não é uma abstracção. Melhorar o seu estado não deve ser entendido como um acto de generosidade para com a pobre e simpática esfera, cujas fotos captadas do espaço tanto nos comovem. Trata-se da sobrevivência da Humanidade em termos duráveis, mesmo que o nosso cálculo (seria a suprema incoerência) não possa ignorar o destino e o direito à existência dos outros seres vivos, condóminos desta «Nave Espacial Terra».
Por isso, quando se vê a indiferença de tanta gente, e a persistência na ideia de «progresso» que nos diz que é preciso «crescer», produzir e consumir até ao paroxismo, apetece dizer que o Dia da Terra, todos os dias, devia ser tempo de pensar no futuro. No nosso, com humano olhar angustiado e esperançoso, medindo bem os passos dentro da única Casa que temos. A partir desta cidade e desta rua.
Bernardino Guimarães

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