quarta-feira, abril 08, 2009

ESTRADAS SEM SENTIDO

Muito se tem falado em investimento público. Milhões do Estado para animar a economia, acudir ao emprego, contrariar a recessão. Como a carteira de obras anunciada é enorme (grande parte vem de antes da crise financeira mundial, do tempo em que tínhamos só a crise autóctone, a que impunha contenção aos gastos governamentais), a discussão desta matéria tem vindo a centrar-se nos emblemáticos TGV e novíssimo Aeroporto de Lisboa.
Choca, a quase indiferença com que se encara a construção de novas auto-estradas, perfazendo no limite 2000 km de novas concessões.
Portugal é na Europa, dos países com mais ampla rede de auto-estradas (AE). A região de Lisboa, então, suplanta mesmo as zonas mais ricas e industrializadas da União Europeia. Fossem estas estradas indutoras de riqueza, deveríamos ser já dos países mais ricos, na frente do pelotão desenvolvido do clube europeu. Não somos.
Mas preparamo-nos para esbanjar recursos escassos numa terceira (!) AE Porto-Lisboa, resultado da soma do trajecto de diversas concessões já em marcha. E isto enquanto se prepara a famosa linha de TGV, que só terá algum sentido em competição vantajosa com o modo rodoviário!
Há mais, que o delírio é extenso: Segundo especialistas, partindo do princípio que é necessário um volume de tráfego de entre 10 e 12 mil veículos para justificar uma auto-estrada, já hoje temos nove (650 km) destas vias a mais, ou seja, sem qualquer justificação para existirem.
Custos? Podem comprometer o nosso futuro. Cada quilómetro de AE significa mais um peso na carga excessiva da dívida pública. As concessionárias dos novos troços começarão a cobrar do Estado, pensa-se, lá para 2012, mas a partir daí a factura, em 25 anos, é estimada em 7 190 milhões de euros. E estamos a falar apenas das cinco concessões novas recentemente adjudicadas.
Escreveu o fiscalista Saldanha Sanches: «Há sempre boas razões para um fim-de-semana no interior: uma delas, agora, é observar in loco o estranho espectáculo das novas estradas, largas, bem construídas e vazias (…) demonstração do peso dos grupos de pressão na decisão pública. Pode não haver carros, mas tem de haver obra. Formas pouco imaginativas de desbaratar recursos públicos.»
Tudo isto vem de trás, de uma opção errada de desenvolvimento que não nos tirou da pobreza e que agora se pretende acentuar negativamente: tudo para a rodovia, nada para a ferrovia. Desde os anos 80 encerraram-se 770 km de via-férrea, e a restante não foi modernizada e melhorada como devia. Cidades como Viseu não possuem ligação por comboio. Falta investimento nas linhas suburbanas e coordenação com os outros transportes. As linhas ditas «pouco rentáveis» são fechadas sem apelo nem agravo e a modernização da Linha do Norte foi um fracasso e um monumento de desperdício do dinheiro dos contribuintes. Apenas 5% das mercadorias são transportadas por comboio.
Esta opção é uma tragédia económica…e um desastre ambiental.
Espera-se que, nas tão faladas análises custo/benefício das novas AE esteja presente a destruição irremediável da paisagem, das linhas de água e de solo agrícola, de biodiversidade—e o aumento exponencial das emissões de gases de efeito de estufa ( que colocam Portugal numa situação impossível) e da nossa dependência dos combustíveis fósseis importados.
Poderia (deveria!) haver alternativa para este gasto insensato, que apenas gerará empregos precários e breves, para além do lucro das grandes construtoras?
O caminho pode ser outro, criando empregos e riqueza perdurável de uma forma sustentável, olhando para aquilo que são necessidades do país e da região do Porto?
Deixaremos opinião sobre isso em próxima crónica.

Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias, a 6 de Abril 2009)

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