Animado pela presença furtiva de um casal de galinhas-d’água num recanto calmo do Parque da Cidade, e pela visão de uma estática garça-real que ali perto vigiava o lago, entre cisnes e patos, silhuetas banhadas pela luz de Outono, resolvi trazer à crónica o tema dos espaços verdes urbanos. Uma vez mais. Desta vez, para referir um estudo levado a cabo por investigadores da Universidade de Glasgow, na Escócia, publicado pela mais respeitada revista médica internacional, a «Lancet». Segundo o estudo, os indicadores de saúde são bastante melhores nas cidades onde existem zonas verdes e em particular parques urbanos de certa dimensão. Até aqui, nada de muito novo; face ao que sabemos de inóspito, agressivo e insalubre nas cidades onde faltam áreas verdes e naturais, não surpreende já que a existência de «oásis» no meio do betão seja benefício directo para o bem-estar geral.
Só que o estudo (baseado na investigação das causas de morte em diferentes zonas urbanas) vai mais longe e sonda o problema social, acabando por concluir que, onde há parques urbanos, as diferenças em termos de estado de saúde entre classes e extractos sociais como que se atenua muito, o mesmo é dizer que os parques citadinos e as zonas arborizadas são afinal, um poderoso instrumento de igualdade social. Um dos cientistas afirmou: «Nem todos os cidadãos têm a facilidade de aceder a parques, mas quando acontece, a tendência é para que os usem, independentemente da classe social a que pertencem. Isso tem um impacto directo na saúde destas pessoas», acrescentado que «é necessário ainda tomar várias medidas para diminuir a desigualdade entre ricos e pobres, mas as autoridades, ao planear áreas urbanas, deveriam ter esta pesquisa em atenção».
Pois deviam! Bem sabemos como a organização das nossas cidades tende, muitas vezes, para a segmentação entre áreas «funcionais», separando trabalho, residência, estudo e lazer e apartando, ao sabor das leis do mercado sem freios, os diferentes níveis socio-económicos, bem como etnias e até gerações (os mais velhos resistem nos centros históricos desertificados, por exemplo.) Tudo isto tem custos humanos, sociais e ecológicos graves, que não cabe aqui desenvolver. A constatação de que mais verde público, mais árvores, mais natureza equivale a mais socialização, mais igualdade e mais saúde devia fazer-nos reflectir-- para tal bastando porventura, uma visita aos poucos parques que temos. Não atraem eles a frequência de todas as classes e «tribos» da sociedade?
Torna-se de qualquer forma evidente que os sectores mais desfavorecidos têm, nestes refúgios de calma e de fruição descontraída, uma das poucas formas de acesso a um certo conforto, o que se reflecte na saúde pública. Entre bairros sociais e condomínios fechados, há, com árvores e lagos, uma espécie de ponto comum, de pausa, para todos, no meio das agruras da agitação e da «competitividade» quotidianas.
Agora que tanto se fala em investimento público, para justificar mais auto-estradas e empreitadas de cimento, eis aqui o que se pode considerar investimento público virtuoso e sustentável, capaz de mobilizar energia e criatividade e de melhorar a vida. Juntamente com o esforço colossal que é preciso empregar na reabilitação do edificado nas cidades, criar mais parques urbanos, alguns de dimensão metropolitana, deveria ser prioridade.
A criação de emprego e o dinheiro dos contribuintes não pode esgotar-se em rotundas e itinerários complementares. Essa espécie de bloqueio da imaginação, essa rotina sem sentido e sem futuro, quando terá fim? Quando será o tempo de pensar de outra forma?
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias a 9/12/2008)
segunda-feira, abril 06, 2009
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