terça-feira, maio 05, 2009

DESERTIFICAÇÃO

Em 17 de Junho de 1994, foi finalmente adoptada a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação. Entrou em vigor dois anos depois, já com mais de 50 países a ratificá-la formalmente. Tratou-se de uma vitória de todos aqueles que vinham chamando a atenção para o problema, ao longo de muitos anos, e uma consequência da realização, dois anos antes da célebre Conferência do Rio de Janeiro sobre Ambiente e Desenvolvimento— a ECO 92.
Desertos sempre houve, e vastos. Mas o empobrecimento dos solos e a seca prolongada estão a alargar de forma alarmante as zonas desérticas, colocando em perigo a vida de milhões de pessoas— mais de um bilião, diz a ONU— e o equilíbrio dos ecossistemas.
De resto este drama silencioso acabou por ganhar visibilidade nos anos 70, quando se difundiram imagens de milhares de pessoas morrendo de fome e deslocadas das suas casas por causa de uma seca aguda que açoitou a África subsaariana. Desde aí, a tragédia não parou de fornecer notícias lamentáveis, piorando a geopolítica das fomes, da pobreza e das guerras.
A Convenção teve, como é de regra nestas coisas, um parto difícil. Divergências metodológicas e conceptuais tornaram moroso o acordo de todas as partes. Painéis técnicos deram suporte à formulação dos textos da Convenção, e tiveram importância encontros como a Conferência Internacional sobre Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável no Semi-Árido, Em Fortaleza, no estado brasileiro do Ceará, entre outros fóruns.
O impulso da Eco 92 foi de qualquer modo decisivo, ao priorizar este assunto como problema global, a merecer um compromisso internacional válido e operativo, sobre a égide das Nações Unidas.
Como se define Desertificação? (há neste terreno confusões que não ajudam nada): segundo o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (esta definição inspirou o texto da Convenção), desertificação é o fenómeno de degradação da terra em zonas áridas, semiáridas e subhúmidas secas, derivado dos efeitos negativos de acções humanas.» Note-se que aqui, terra refere-se ao solo, aos recursos hídricos de cada região, à superfície da terra e à vegetação ou cultivos. As acções humanas podem ser uso indevido da terra, práticas agrícolas desadequadas, aumento da pressão demográfica, pressão económica e mudanças nas estruturas de posse da terra.
Note-se que uma coisa é «desertificação» neste sentido, outra será a utilização da palavra para descrever, por exemplo, êxodo de populações, despovoamento, sendo certo que as duas coisas têm por vezes uma relação directa ou indirecta.
Segundo a FAO, as terras secas ocupam cerca de 30% da superfície terrestre do planeta e nelas vivem bem mais de um bilião de seres humanos. O avanço dos desertos está a afectar inúmeras populações e a criar grande número de refugiados. A situação é particularmente grave em África e na Ásia, mas mesmo em regiões como a América Latina e Caribe, as terras secas ocupam mais de 25% do total e desta percentagem, mais de 70% encontram-se com sinais de vulnerabilidade e graus avançados de desertificação.
Dados muito recentes, utilizando rastreio por satélites, dão conta de um rápido agravamento da situação.
A Convenção está assim dividida:
a) Uma parte geral, com princípios, objectivos, mecanismos de administração e financiamento.
b) Anexos de aplicação regional, textos específicos para as 4 regiões que distingue – África (abaixo do Saara) América Latina e Caribe, Ásia e Mediterrâneo— norte de África e sul da Europa. Aqui estipula-se a necessidade de mecanismos regionais de implementação.

Muitos países da orla dos desertos defendem-se do seu avanço com as medidas possíveis. Uma delas é a abolição do pastoreio intensivo e a reflorestação com espécies adaptadas a estes duros ecossistemas, procurando preservar e fixar o que resta de solo e impedir o avanço das areias. A conservação da água assume aqui um papel decisivo.
Todos os anos se perdem 6 milhões de hectares de terras antes produtivas, qualquer coisa como 12 ha em cada minuto que passa!
A Europa do Sul está ameaçada, em particular Espanha, Portugal, Itália e Turquia. Desde sempre o homem criou semidesertos e é conhecido o ciclo da degradação dos ecossistemas mediterrânicos ao longo de séculos, à força de machado e de fogo— a floresta mediterrânea é destruída, surge o matagal, o célebre maquis de plantas rasteiras e poucas árvores. A seguir o cultivo de cereais nestes solos pobres cria a estepe dita «cerealífera». O empobrecimento da capacidade regenerativa e da fertilidade dos solos em breve deixa só a charneca seca e rala. Da degradação desta nascerá o pré-deserto. Este processo está em curso em Portugal, onde cerca de um terço do território se encontra em vias de desertificação, em especial no Alentejo e Algarve e toda a faixa interior que sobe pela Beira até às zonas mais secas de Trás-os-Montes.
Um fenómeno também de origem humana ameaça agravar muito o problema e acelerá-lo— o aquecimento global. Se forem confirmados alguns cenários, o território português pode sofrer alterações relativamente rápidas na paisagem e na configuração das actividades humanas— mais seca e mais calor farão certamente piorar os efeitos das más práticas e dos erros cometidos ao nível do solo. A disponibilidade de água ficará em causa certamente.
O mesmo se pode dizer do mundo inteiro, África em primeiro lugar.
Urge equacionar Desertificação com Alterações Climáticas e com Biodiversidade, não por acaso temas de dois outros importantes acordos internacionais, conforme foi sugerido e deliberado na 2-Cimeira das Partes Contratantes da Convenção sobre Desertificação, em Dacar (Dezembro 1997).
Em Portugal, obedecendo ao estipulado na Convenção que o país subscreveu, existe um Programa Nacional de Combate à Desertificação desde Junho de 1999, dotado de um órgão coordenador. Das poucas medidas conhecidas consta a criação de zonas-piloto para observação e acompanhamento da desertificação— os concelhos de Mogadouro, Mação, Idanha-a-Nova e Penamacor, Mértola, Alcoutim e Castro Marim.
Mas impõem-se medidas concretas que mobilizem as populações e as autoridades locais, sendo este problema de toda a sociedade. Ainda não é tarde para minorar o avanço do deserto que temos ao pé da porta, mas isso implica não repetir erros do passado e mudar de vida em muitos aspectos, no ordenamento do território, na preservação dos solos e na florestação adequada (evitando as monoculturas de exóticas que tanto degradam a terra) pensando no presente…e ainda mais no futuro!
Bernardino Guimarães

Sem comentários:

Enviar um comentário