sábado, maio 30, 2009

METABOLISMO DAS CIDADES

foto:Raízes.e.Asas

1) A procura de um desenvolvimento sustentável pode resultar infrutífera se não assentar em coisas concretas. Queremos que o desenvolvimento humano— social, cultural, económico— se compatibilize com a Ecologia, com os ecossistemas e por isso possa manter-se no tempo (os recursos naturais são esgotáveis) e daí chamarmos também desenvolvimento durável.
Isso exige a redescoberta das cidades. Vivemos um mundo crescentemente urbanizado. Desde sempre o habitat humano por excelência, a cidade foi por vezes ignorada pelos ecologistas, quando não condenada como o lugar mítico da destruição da Natureza e do desperdício de recursos, sem remissão possível.
Hoje percebe-se que, se queremos deter a destruição do ambiente, local e globalmente, é preciso e urgente enfrentar os problemas urbanos, pensar uma cidade sustentável.
Com um duplo reencontro…o da cidade com a Natureza e o dos ambientalistas com a cidade.
2) Na Europa uns 80% da população vive já em cidades. A urbanização da vida moderna é um facto. As urbes trazem vantagens apreciáveis— oportunidades de emprego, vida cultural, lazer, acesso maior ás tecnologias e à informação.
No mundo, as mega-urbes multiplicam-se. Em 1800 havia só duas cidades no mundo com mais de um milhão de habitantes— em 1990 as 100 maiores cidades do mundo albergavam 540 milhões de pessoas, e 220 milhões viviam nas 20 maiores. As cidades ocupam cerca de dois por cento da superfície terrestre, mas consomem 75% dos recursos naturais. São também os mais importantes centros de produção da riqueza mundial expressa em PIB, o que nos diz alguma coisa sobre a insustentabilidade deste sistema.
As cidades continuam a atrair mais e mais pessoas, mas a sua qualidade de vida degrada-se e as mega-urbes dos países em desenvolvimento, produto do êxodo rural acelerado, têm problemas sociais e ambientais dramáticos cuja solução não se afigura nem fácil nem rápida.
Oportunidades, progresso— mas também pobreza, más condições de vida e consumo excessivo de recursos.
Na velha Europa, com uma população estabilizada ou em declínio, mesmo assim a expansão das áreas urbanas é contínua e causa graves dilemas, com uma superfície do território cada vez maior ocupado pelas cidades, cujo modelo de crescimento tem sido a extensão das periferias, para além do espaço necessário às infra-estruturas de transportes, estradas, aeroportos, etc.
3) O crescimento urbano apoiou-se numa variável fundamental—a disponibilidade de combustíveis fósseis relativamente baratos. Só isso permite uma mobilidade assente no automóvel, os indíces de conforto habitacional e de consumo, muito baseado em produtos de origem longínqua que o transporte aéreo possibilita (ainda não há muito tempo o consumo alimentar das cidades europeias era assegurado maioritariamente por produtos locais) o próprio urbanismo que afasta local de morada e de trabalho, cada vez mais distantes um do outro, consequência da facilidade de acesso ao transporte automóvel que permite deslocações rápidas e pendulares diárias.
As cidades americanas são (muitas delas), até por serem recentes, o paradigma desse modelo que o petróleo barato facilita, com a suburbanização extensa. Nas cidades europeias, de recorte secular, este modelo nunca foi tão acentuado, embora seja essa a tendência—a desertificação dos velhos centros urbanos em prol das periferias onde o mundo rural recua face ao betão é uma das consequências deste tipo de urbanismo.
Mas o petróleo barato é coisa do passado. As alterações climáticas impõem novas abordagens. E a qualidade de vida nas cidades volta a ser prioridade. Adivinham-se mudanças?
Herbert Girardet, no seu livro «Criar Cidades Sustentáveis» --Edições Sempre-em-Pé, Porto, afirma: «Hoje não vivemos numa civilização mas sim numa mobilização— de recursos naturais, de pessoas e de produtos. As cidades são os nós de onde a mobilidade emana: ao longo das estradas, das redes ferroviárias, das rotas aéreas e das linhas telefónicas. As cidades alastram também para fora de si mesmas ao longo das modernas rodovias e linhas ferroviárias por subúrbios e centros comerciais e para além deles, ao mesmo tempo que o seu centro fica muitas vezes desprovido de vida fora das horas de expediente. A origem e o destino dessa mobilização acabaram por simultaneamente definir a existência humana.»
4) Será possível, como pretende este autor, voltar a uma civilização urbana? Esse desafio permanece. Em todo o lado surgem indicadores de mudança.
Mas o diagnóstico da nossa «mobilização» urbana ainda não está completo: podemos desenvolvê-lo a partir de 2 conceitos: (instrumentos de análise)
---a «Pegada ecológica»
--o «Metabolismo das cidades» Quanto ao primeiro, sabe-se que integra as recentes noções que permitem perceber o peso, em termos de consumo de recursos, de uma actividade, uma empresa, uma família, um país. Ou uma cidade. Essa pegada pode medir-se em termos de hectares necessários a suprir as necessidades de uma unidade—e no caso das cidades essa pegada pode ser bem funda e pesada. Herbert Girardet começou a preocupar-se com este tema quando um dia viu, a descer o Amazonas, barcos carregando enormes quantidades de madeiras tropicais arrancadas à floresta— uma inscrição «Londres» indicava o seu destino. O escritor teve a revelação de que o impacte a pegada das cidades ia até bem longe: era um efeito global do seu consumo de recursos.
Para usarmos a cidade que serve como exemplo a este autor, Londres, saiba-se que a sua pegada é vasta. A capital britânica tem 158 000 hectares de superfície. Mas só a área florestal exigida por Londres para produtos de madeira ultrapassa os 768 000 hectares! A área agrícola para produção de alimentos excede 8 milhões e 400 000 hectares, e a área que seria necessária para capturar o carbono emitido pelos londrinos seria de 10, 5 milhões de hectares (1, 5 por hectares). Diga-se que a superfície total do Reino unido é 24 milhões de hectares. E estará quase tudo dito!
Metabolismo— Vale a pena transcrever Herbert Girardet: «As cidades, como outras reuniões de organismos, possuem um metabolismo que é possível definir, e que consiste no fluxo de recursos e produtos através do sistema urbano para benefício das populações da cidade. Dada a imensa escala da urbanização, para garantir a sua viabilidade a longo prazo as cidades fariam bem em adoptar para si o modelo de funcionamento dos ecossistemas naturais, como as florestas. Os próprios ecossistemas da natureza possuem um metabolismo essencialmente circular, em que cada produto descarregado por um organismo se torna por sua vez um insumo que renova e sustenta a continuidade da totalidade do ambiente vivo de que faz parte. A totalidade da teia da vida une-se solidariamente numa « cadeia de benefícios mútuos» através do fluxo de nutrientes que passam de um a outro organismo.
O metabolismo da maioria das cidades modernas é, em contraste, essencialmente linear, sendo os recursos «bombeados» através do sistema urbano sem grandes preocupações acerca da sua origem ou acerca do destino dos resíduos, o que tem por resultado a descarga de grandes quantidades de resíduos incompatíveis com os sistemas naturais. Na gestão urbana, os insumos e produtos são considerados em grande parte como desligados uns dos outros. Os alimentos são importados para as cidades, consumidos e despejados como esgoto nos rios e águas costeiras. As matérias-primas são extraídas da natureza, combinadas e processadas em bens de consumo que em última analise terminam como lixo que não pode ser reabsorvido no mundo natural.»

5) As cidades são super-organismos
Ou seja: As cidades fazem entrar mercadorias, água, combustível, madeira, metais e alimentos que mais tarde são rejeitados no sistema natural como resíduos gasosos, resíduos líquidos e resíduos sólidos. Este metabolismo é linear, e obedece a (como diria o nosso Jacinto Rodrigues) a um conceito/ paradigma mecânico ou industrial, quando seria precisa hoje uma abordagem holística e sistémica. Um metabolismo urbano o mais possível circular, poderia esquematizar-se assim: A cidade privilegiaria uma cintura agrícola efectiva, onde os resíduos orgânicos e a água utilizada seriam reciclados e reutilizados em benefício da fertilidade dos solos, as energias renováveis providenciariam as necessidades no aproveitamento de recursos baratos e locais, os restantes resíduos seriam reciclados. O que é resíduo para uma actividade ou função da vida humana e social, pode ser matéria-prima para outra actividade e função, em processo simbiótico. Entrariam menos produtos numa cidade que poderia produzir energia e alimentos para boa parte das necessidades, e a existência de solo livre e de mecanismos naturais de regeneração reduziria ao mínimo as rejeições. Os domicílios e empresas seriam energeticamente eficientes e eficientes no uso da água. A poluição gasosa será reduzida e o transporte público em comum substituiria o automóvel. A estrutura urbanística será compacta, permitindo que um menor espaço da cidade pudesse servir para varias valências e o centro seria a atractivo para viver e trabalhar deixando espaço periférico para as zonas de lazer e agrícolas e florestais, que fariam cumprir naturalmente os ciclos da água, do ar e a fixação do carbono.

Nenhuma cidade pode ser auto-suficiente, mas é possível atenuar o efeito destrutivo do sistema actual e pensar o futuro das cidades de outra forma.

7) A sustentabilidade das cidades preocupa hoje muita gente. O estabelecido na Agenda Habitat, (Conferência da ONU em Istambul), pouco levado ainda à prática, e a Agenda 21— da qual resultaram as Agendas 21 Locais, que muitos municípios estão pondo em execução, são dois documentos norteadores.
Mas cidades sustentáveis, com um metabolismo que não contenha as patologias que hoje são dominantes, só as teremos se duas condições se verificarem: o primado do interesse público sobre os interesses parcelares egoístas e a maior participação cívica possível naquilo que à vida de todos diz respeito.
Bernardino Guimarães
foto de:Raízes.e.Asas

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