sábado, maio 16, 2009

ZONAS HÚMIDAS

Em 2 de Fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar, nas margens do mar Cáspio, os países reunidos em conferência, sob os auspícios da ONU, chegaram a acordo e adoptaram um texto que ficou designado por Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional, ficando conhecido como Convenção de Ramsar.
Tratou-se de um evento histórico, de enorme alcance— e o primeiro tratado global sobre conservação da Natureza é ainda hoje o único que trata exclusivamente de uma categoria de ecossistemas.
A Convenção, porém, só começou a vigorar a 21 de Dezembro de 1975, quando fizeram a sua ratificação as sete primeiras partes contratantes— Austrália, Irão, Grécia, África do Sul, Finlândia, Noruega e Suécia.
Mas afinal de contas, o que são zonas húmidas?
Segundo a Convenção Internacional, têm direito a essa designação: áreas de pântanos, charcos, turfas, planos de água naturais ( lagos, lagoas) ou artificiais (como albufeiras, arrozais, salinas,) sejam permanentes ou temporários, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo estuários, planícies costeiras inundáveis, ilhas e áreas marinhas e costeiras com menos de seis metros de profundidade na maré baixa, abrangendo marismas, mangais e recifes de corais.
Nestes habitats entre terra e água, entre mar e rios ou entre mar e costa se concentram os ecossistemas mais produtivos e de maior diversidade biológica do planeta. Por exemplo, grande parte dos peixes de mar e de rio, importantes para a alimentação humana, dependem das zonas húmidas para a sua reprodução ou em outra fase do seu processo biológico. Estas áreas são também verdadeiras reservas de água, e a sua existência é muitas vezes fundamental para a estabilidade dos ciclos hidrológicos e para que haja condições para a agricultura nas regiões envolventes. A Convenção, em todo o caso, enfatizou desde o início a importância destas zonas para as aves aquáticas e sobretudo para as espécies migradoras que são património internacional.
Sabe-se que muitas zonas húmidas foram sendo drenadas e secas para permitir o avanço das actividades humanas e da urbanização, por vezes com consequências desastrosas a longo prazo. O que hoje delas resta é sem dúvida apenas uma pálida imagem da imensa riqueza natural que já representaram, e mais ainda em locais muito humanizados há séculos, como a bacia do Mediterrâneo. As ameaças persistem— o turismo massificado e a betonização, a contaminação por poluentes vindos de águas residuais das cidades e indústrias, a caça e os chumbos das caçadeiras, a construção de grandes barragens e a agricultura intensiva.
Seja como for, a Convenção de Ramsar é um sucesso— há hoje154 países aderentes, protegendo 1 650 sítios com a superfície total de 149, 6 milhões de hectares nos cinco continentes.
Portugal ratificou a Convenção em 1980, entrando em vigor no país no ano seguinte. As primeiras zonas húmidas portuguesas propostas para «Sítios Ramsar» foram: o Estuário do Tejo e a Ria Formosa, seguindo-se, em levas sucessivas:
Paul de Arzila, Paul da Madriz, Paul do Boquilobo, Lagoa da Albufeira, Estuário do Sado, Lagoas de Santo André e da Sancha, Ria de Alvor, Sapais de Castro Marim, Paul da Tornada, Paul do Taipal, Planalto superior da Serra da Estrela e parte superior do rio Zêzere, Polje de Mira Minde e Nascentes relacionadas, Lagoas de Bertiandos E S. Pedro dos Arcos, Estuário do Mondego
Fajãs das Lagoas de Santo Cristo e dos Cubres (Açores)
São hoje 17 Sítios, totalizando 73 784 hectares.
(mapa em http://www.icn.pt/)
Quase todas estas áreas dispõem aliás de estatuto de área protegida, ou sítio de Rede Natura enquadrado na Directiva Aves e Habitats.
Mas isso não significa que estejam a salvo, pelo contrário em vários casos o seu estado de conservação é mau e os perigos avolumam-se no seu entorno—a Convenção não pode substituir o trabalho das autoridades nacionais e dos cidadãos, e poderosos interesses continuam a pôr em causa estas zonas de enorme beleza, autênticos paraísos de vida que Ramsar quer alvo de uma « gestão sustentável» e « uso racional» de modo a que o seu potencial económico, ecológico e recreativo possa ser legado às gerações futuras.
A verdade é que muitos destes locais estão ameaçados pela invasão urbana e pela voracidade desmedida do turístico/imobiliário, aprovado por autoridades sem visão de futuro e sentido de medida.
Já lá vai o tempo em que se consideravam «pestilentos e doentios» os pântanos e sapais— hoje sabemos bem que precisamos deles para manter habitável e saudável o mundo onde vivemos.
Bernardino Guimarães

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