terça-feira, junho 02, 2009

MADEIRA DUVIDOSA

A rotina do porto de Leixões foi abalada e interpelada a consciência cívica de alguns, quando há algumas semanas, activistas da Greenpeace e da Quercus levaram a cabo um audacioso protesto. Motivo: a importação, por empresas portuguesas, de madeira tropical, suspeita de ilegalidade.
Os ecologistas limitaram-se a “iluminar” aquilo de que se fala desde há muito tempo, mas a acção mediática­­­­­­­ – como é apanágio dos conhecidos “guerreiros do arco-íris” – despertou reacções inusitadas. Em relação ao barco que na ocasião transportava madeira, com destino a fábricas nacionais, os importadores protestaram inocência, dizendo-se vítimas de calúnia.
Algum tempo depois, demonstraram falta de serenidade, chegando ao ponto de, na televisão, vermos o responsável de uma empresa agredir um manifestante e ameaçar, alarvemente, meio mundo.
Seja como for, a mensagem passou. E quem poderá afiançar que o problema não existe?
Fala-se muito da destruição acelerada das florestas tropicais. O fogo-posto e as motos-serras vão abatendo as célebres “florestas de chuva” e assim aniquilando esses pulmões do Mundo, como lhes chamam.
Essa destruição é-nos mostrada sempre que se fala dos grandes pesadelos ambientais dos nossos dias, apresentada como exemplo às crianças, em educação ambiental e nas
disciplinas de ciências.
Mas é lá longe, na remota e vasta Amazónia, nas selvas do Congo africano, ou no Sudoeste asiático. Muito longe.
Quem diria que esse drama nos diz respeito? Que dele somos causa, se calhar sem o adivinharmos? Definitivamente, o Mundo tornou-se pequeno, e, seguindo a lenda, o bater de asa de uma borboleta pode mesmo provocar um tremor de terra nos antípodas!
A coisa até é simples: uma das causas da destruição das florestas tropicais é a extracção de madeiras. Uma grande parte dessa madeira é tirada de selva ilegalmente, através de métodos predadores e cortando indiscriminadamente.
Essa madeira fora da lei é exportada e, através de circuitos que incluem compadrios e corrupção, chega aos mercados que a desejam.
Um desses mercados é Portugal, “ porta de entrada para este comércio, sendo o quinto importador mundial de madeira da Amazónia brasileira e um importador significativo de outras florestas tropicais, como as da África Ocidental”, revelou a Greenpeace.
Mais: cerca de metade da madeira tropical importada pelo nosso país, pode ser de origem não certificada, isto é, ilegal. E a procura não cessa de aumentar, ao que parece sem que ninguém fiscalize cabalmente, a origem e condição do que entra nos nossos portos.
Pois é: muito do material que sustenta construções e decora edifícios públicos e
privados, e mesmo a casa de qualquer honesto cidadão, boa parte da madeira exótica que estranhamente preferimos às madeiras nobres e autóctones, fez parte de um tráfico ilegal e imoral e proveio da destruição irreversível da biodiversidade, dos solos e do próprio clima em regiões distantes.
O pacato porto de Leixões, aquele “parquet” de que tanto gostamos, o revestimento do edifício, mesmo o chão de um museu ou auditório, vistoso e caro, tudo se relaciona e junta, como numa novela policial. Tem tudo a ver connosco!
Outro dia, setenta empresas europeias, incluindo duas portuguesas – ambas do Norte, diga-se – apelaram à Comissão Europeia para que “proíba definitivamente a importação de madeira abatida ilegalmente”. E comprometeram-se a adquirir somente madeira legal e certificada. Sinal de mudança? Com certeza que sim.
Mas não tenhamos ilusões: há aqui um problema de cidadania, que deve ser actuante, mesmo quando autoridades e empresários preferem esconder a cabeça na areia.
Bernardino Guimarães
(uma crónica publicada no Jornal de notícias nos idos de 19 de Abril de 2005. O Peregrino não é demasiado revivalista, mas desconfia que o texto mantém toda a actualidade quanto ao fundo do problema…)

1 comentário:

  1. Mas não tenhamos ilusões: há aqui um problema de cidadania, que deve ser actuante, mesmo quando autoridades e empresários preferem esconder a cabeça na areia.

    O problema da cidadania aqui e em tantas outras situações do nosso dia a dia....
    E nos relacionamentos entre as pessoas?Tanta pobreza a este nível!

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