Entrou já em vigor o Plano de Contingência para as Ondas de Calor, que a Direcção-Geral de Saúde preparou, com base na experiência dos anos anteriores. O anúncio do Plano foi acompanhado de um aviso sério: Portugal pode enfrentar neste Verão várias e prolongadas ondas de calor, sendo as previsões meteorológicas e as projecções disponíveis bem pouco animadoras.
Nada que não fosse possível adivinhar— os estudos sobre o padrão de alterações climáticas no nosso país são bastante claros, pese embora algum nível de incerteza. E apontam para Verões mais quentes e secos, com maior possibilidade e intensidade de fenómenos extremos como as ondas de calor.
O problema para o qual nos alertaram as autoridades sanitárias não é de somenos. Os números oficiais apontam para 1 953 mortes relacionáveis com o calor em 2003, 462 em 2005 e 1 259 em 2006— durante os períodos mais ou menos prolongados durante os quais os termómetros atingiram valores elevados excepcionais.
Mais atingidos foram os idosos e os doentes crónicos, mas o choque de calor pode afectar qualquer pessoa e constitui uma ameaça grave para as crianças. De qualquer modo, e tomando sempre em consideração os números oficiais, pode estabelecer-se que existem «grupos de risco» e esses são, não por acaso, os mais fragilizados e mais esquecidos nas sociedades urbanas de hoje— velhos, doentes, pobres, quantas vezes os três factores nos mesmos indivíduos. As ondas de calor são uma manifestação do grau de ameaça— bem real e bem presente— das mudanças climáticas que nos estão já a atingir, com uma tendência certa para o agravamento se nada se fizer de concreto e eficaz contra as suas causas, a poluição atmosférica com origem nas actividades humanas. Mas também estas ocorrências de calor intenso nos falam da nossa geral impreparação para estes fenómenos e da desigualdade social que faz as piores consequências abaterem-se sobre os mais fracos e menos favorecidos pelas leis da sorte e do dinheiro.
Em tudo isto é preciso reflectir, e não apenas implementando planos de contingência, que são sem dúvida necessários.
Outros problemas estão previstos na sequência— cada vez mais clara para a ciência— do aquecimento global. Subida do nível dos mares e maior frequência de temporais intensos. Menor disponibilidade de água e incidência concentrada da chuva em certas épocas do ano, secas e problemas com a agricultura, as florestas e a biodiversidade.
As ondas de calor terão em todo o caso um impacte importante nas cidades. Daí que devamos pensar em medidas de fundo, estruturais e de longo prazo que tocam o urbanismo e o ordenamento territorial, tentando antecipar as alterações climáticas e minorar os seus efeitos. Na Área Metropolitana do Porto é evidente a necessidade de deter a mineralização dos solos, criar espaços verdes públicos e proteger as linhas de água. A construção tem de levar em conta o seu impacte no espaço envolvente em termos de aquecimento, e o espaço público— que vem afastando jardins e árvores em favor do granito e do cimento— deve ser arranjado levando em conta a necessária amenização do clima.
Mais verde, mais árvores, mais água em cursos de água limpos e a descoberto, menos edifícios de ferro e vidro induzindo calor, melhor espaço público a pensar em quem o frequenta— condições para cidades habitáveis, capazes de dar resposta adaptativa aos problemas que o aquecimento global não deixará de agravar.
É preciso agir rapidamente para enfrentar o problema, dando atenção à emergência dos golpes de calor; mas sem nos esquecermos de tornar a cidade melhor e mais harmoniosa— ecológica e socialmente.
Bernardino Guimarães
(Esta crónica foi publicada no JN há dois anos. Mantém certa actualidade, pareceu ao Peregrino…)
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