quarta-feira, agosto 12, 2009

FÉRIAS

A pausa estival que se convencionou, e se verifica na maior parte das actividades, rotinas e ofícios, dá lugar a outras coisas, que animam a vontade de mudar, de estabelecer outro ritmo. O culto do sol é celebrado ao longo das praias, o culto do lazer dá fôlego a outras indústrias. As cidades despovoam-se em parte, sobretudo de tráfego automóvel, e com isso quase que de novo se humanizam.
Parece que há tempo para olhar em volta e desligar do quotidiano azafamado, tempo livre (estranha expressão!) para tudo e nada. Estes são os milagres do Verão. Depois há outros ainda, notórios, nem sempre agradáveis: os jornais emagrecem e difundem notícias sem objecto e entrevistas com palermices variadas, os blogues adormecem, personagens «do social», que ninguém sabe quem sejam ou de onde caíram, emergem da obscuridade para brilharem, besuntadas à torreira do sol, bronze olímpico, e os solários queimam as pelas sem piedade e sem culpa. Os raios UV tornam liquefeita boa parte da inteligência nacional, mas não há quem se ressinta disso.
O turismo exulta, indústria dos nossos dias, serviços de acolher, mostrar e vender paisagens e comodidades, que alcançam por estes tempos a sua «melhor hora.»
O contacto com a Natureza torna-se necessidade, ânsia, compulsão, e tudo gira à volta disso. A Natureza, pobre dela, de tão requisitada, acusa o excesso de fregueses, nem sempre amigáveis, e custosamente se adapta às agruras da invasão.
Podia ser diferente talvez, mas a verdade é que o êxodo urbano tem consequências: áreas protegidas transformadas em picadeiros de multidões ávidas, vida selvagem acossada pelas intrusões. Civismo ausente, de férias também, se calhar. Quem não vê os jipes que tudo pisam, até a consciência e a lei, e cortam dunas e matas e cultivos, campos e florestas, e fora-da-estrada provam a sua competência todo-o-terreno? Lixo nas bordas das estradas, rios (ainda mais) poluídos, por todo o lado o trânsito das rotundas citadinas se transfere para o que deveria ser oásis de calma e visão da Natureza impoluta.
No dia 15 de Agosto, como todos os anos, segue-se um ritual ilógico e funesto:
os caçadores lusos, com fé em Santo Humberto e o dedo no gatilho, lá irão pelos campos e pinhais em busca das últimas rolas-bravas—que o governo insiste em deixar que sejam alvos, mesmo sendo hoje tão raras. Até alguns caçadores mais conscientes renunciam a este massacre estúpido. A caça desenrola-se na época em que muitas rolas juvenis mal saíram dos ninhos para prepararem o voo decisivo que daqui a pouco as levará a África…mas poucas lá chegarão, e o chumbo espalhado nos solos completa e comprova a tarefa impune— legalizada mesmo! — de destruição destas belas aves. Mas esqueçam as rolas. Há também o fogo! Posto, quase todo, por idiotice, inconsciência ou por crime intencional— o mau estado das matas, a errada estrutura florestal que temos e o geral desordenamento do território fazem o resto, dependendo o resultado final, apenas, da benevolência ou severidade da meteorologia.
Enfim, o Verão pleno. A pausa do Estio. A «silly season» das TVs e dos concursos. Das palavras vazias dos políticos a cumprir calendário.
Mas não levem o cronista muito a sério. Afinal de contas nem tudo é mau e a vida continua, cheia de sol, sempre com esperança, apesar dos pesares.
Boas Férias— para quem as tem— e até breve!
Bernardino Guimarães
(Crónica emitida na Antena 1 a 30/7/09)

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