quarta-feira, setembro 30, 2009

OS DIAS DE AMANHÃ

Cumpriu-se a segunda etapa do longo calendário eleitoral deste ano. Os jogos estão feitos. O Ambiente, em sentido largo, quase não constou dos debates e resumiu-se a poucas linhas nos diversos programas partidários. Perdido num novelo confuso de incidentes e guerras surdas, o debate político nacional derivou no afastamento insensato de muitos dos problemas e dilemas mais importantes do país— e da Europa— o que não deve deixar de nos preocupar. A qualidade da democracia perde com esta ausência quase absoluta dos temas ambientais. Pior: o facto de o Ambiente ter sido ignorado, em favor da intrigalhada menor, não implica que neste campo, muitas e importantes decisões não tenham de ser tomadas. Alguns preferirão que tais decisões pertençam à tecnocracia, na obscuridade dos interesses particulares, sem grande escrutínio público.
As agências de comunicação e as assessorias técnicas de marketing que fazem a chuva e o bom tempo nas altas esferas políticas, construindo agendas cada vez mais fúteis e artificiais, devem ter entendido que Ambiente não dá votos, e que é preferível investir dinheiro e tempo na «imagem» dos candidatos ou em manobras de diversão que fazem as delícias de muitos analistas e actores da comédia (afinal, sempre previsível) do poder.
É pena. Não apenas porque daí resulta um prejuízo óbvio para a democracia e para o esclarecimento dos eleitores. Mas fundamentalmente porque o «ocaso do Ambiente» implica a impossibilidade de apresentação de um modelo coerente e inteligente de desenvolvimento para Portugal. Tão simples como isso. Tão dramático como isso. Além de um tal silêncio revelar a continuidade de uma certa falta de cidadania, de sociedade activa e participante— que, a existir na proporção necessária, jamais permitiria aos aparelhos partidários esta sonante omissão.
As eleições autárquicas ocupam agora o palco, e as próximas duas semanas serão tempo de campanha para os órgãos do poder local— na teoria, sem dúvida inspiradora, o nível de poder mais próximo dos cidadãos.
Creio que a ausência penosa dos temas ambientais e ecológicos dificilmente se repetirá. Porque nas cidades e vilas um pouco por todo o país, os problemas são mais visíveis, e a escala do debate oferece muitas oportunidades de confronto de ideias e de diagnóstico das carências e disfunções.
A crise do poder local e do seu modelo de crescimento, a necessidade de mais transparência e de mais democracia nas autarquias locais, muito atingidas por fenómenos de dirigismo autoritário e de opacidade das decisões, o esgotamento da relação umbilical e quase exclusiva (e sempre pouco clara) entre política local e construção, tudo isso, entre outros factores, deve propiciar uma nova atitude. Ou será optimismo a mais?
Apesar de muita coisa que vai no bom sentido, avulta o que falta fazer.
Para termos cidades e área metropolitana com menos desperdício de energia e de recursos, menos poluição e mais centrada na reabilitação do edificado do que na expansão doentia dos perímetros urbanos.
Que o debate local possa ser melhor e ir mais fundo que o debate nacional, raptado pelas generalidades e pela pura táctica de manutenção do poder.
Essa qualidade não dispensa o Ambiente, simplesmente porque não se pode continuar a ignorar o essencial, a qualidade de vida, a durabilidade e razoabilidade da maneira como vivemos.
Não viveremos melhor sem olharmos com realismo para o território, a energia, a mobilidade, o equilíbrio entre cidade e ruralidade, a salvaguarda da biodiversidade e dos recursos naturais sem os quais não há progresso, nem economia, nem futuro.
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no jornal de Notícias, em 29/9/09)
Foto de Raízes.e.Asas

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