sexta-feira, novembro 27, 2009

MUDANÇA

Quando se pensa em alterações climáticas, no famoso «aquecimento global», vem à memória a imagem impressiva dos glaciares derretendo no Árctico, o gelo «eterno» liquefazendo-se, ursos polares e focas aturdidos perante um cenário que subitamente mudou. Mas pensa-se menos, talvez, nas transformações que gradualmente estão a modificar o nosso quadro de vida, à porta de casa.
De resto, se nós citadinos— hoje a larguíssima maioria— apenas nos preocupamos com o clima quando queremos saber se será preciso usar o guarda-chuva ou se teremos praia no fim-de-semana, o caso muda de figura quanto aos que ainda mantêm ligação à terra, aos elementos, ao ritmo das estações. Essas pessoas, que vivem no campo, sabem e dizem que muito se alterou— Invernos mais amenos, maiores períodos de seca, menos chuva e chuva mais concentrada em menos dias. E sinais: os pássaros de arribação que partem mais tarde, ou que ficam o ano todo, outros que desaparecem, a flora e seus ciclos que são agora outros. Os poços secos, os caudais dos rios que já não são o que soía.
Agora os especialistas avançam com previsões; falíveis que sejam, possuem valor indicativo. Um estudo recente vaticinava para o Porto, no decorrer deste século um clima típico do Norte de África. Mas as preocupações vão sobretudo para o recurso água: bastará uma redução de 15% nas chuvas anuais para que se verifique um decréscimo de entre 40 a 50% nas recargas subterrâneas, os aquíferos preciosos onde se abastecem muitas cidades e regiões portuguesas. As secas mais prolongadas afectarão inevitavelmente as culturas agrícolas, e os fogos florestais serão mais difíceis de combater.
As pescas já acusam alterações: o aquecimento das águas dos oceanos acarreta potencial subversão dos ecossistemas e nas correntes marítimas. Muitas espécies de peixes, como a sardinha e a faneca, afeiçoadas a águas relativamente frias, tenderão a deslocar-se para norte, fugindo das nossas águas, enquanto outras espécies, de águas mais subtropicais, virão talvez substitui-las.
Os cenários de «ondas de calor» --como foi o caso do Verão de 2003— podem tornar-se frequentes e devem preocupar os responsáveis políticos e sanitários, porque a sua ocorrência coloca em risco a vida de muitas pessoas.
Mas no caso português, é o avanço do mar sobre a frágil linha da costa a mais imediata das preocupações. Esse fenómeno ocorre já e é bem visível, mas pode acentuar-se nas próximas décadas. Sabemos que a maior parte da população vive junto ao mar ou bem próximo e os erros de urbanização, destruindo as defesas naturais do litoral costeiro, como as dunas e as matas litorais, só podem tornar este drama mais agudo e impactante.
Seria bom que as previsões de mudança climática, para Portugal e para cada região do país, fossem tidas em conta— no planeamento urbano, no ordenamento do território, na gestão dos recursos hídricos, na floresta e na agricultura. Medidas de adaptação e de mitigação de danos deveriam estar já no terreno e envolver toda a administração pública e sociedade civil.
No fundo— hoje ninguém seriamente o põe em causa— somos todos nós os responsáveis pelo clima que muda com demasiada e inusitada rapidez; a forma como poluímos, consumindo energia fóssil, como consumimos sem pensar.
Sejam estes tempos de mudança do clima, tempos de mudança de nível de consciência humana e de modelo de sociedade!
Bernardino Guimarães
(Crónica emitida pela Antena 1, rubrica «Um Olhar Sobre a Cidade», em 5/10/09)

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