sexta-feira, dezembro 25, 2009

ESPÍRITO DE NATAL

A noite de Natal terá já passado, quando os leitores do JN encontrarem esta crónica. E o momento mágico de luz e de fraternidade universal será já uma recordação, ainda viva e presente. Todo o espírito de quadra se resume a isso— amor ao próximo, consciência solidária-- afinal, na celebração de um nascimento distante que resiste ao tempo e se renova cada ano, renovando-nos por um instante.
Crentes ou não crentes, a ninguém é indiferente esta noite longa e cheia de promessas, ainda na viragem da estação fria, o solstício de Inverno a sugerir recolhimento e introspecção.
Claro que uma crónica assim datada e inspirada, e para ser lida (se tiver sorte!) após a grande noite, não pode deixar de aparecer imbuída deste mistério e desse, digamos, impulso de reflexão e de solidariedade.
É difícil não ver o Natal concreto sob o prisma do consumismo, do brilho material fugaz, mesmo do esquecimento do que se pensa ser o espírito natalício, trocado pela apologia das compras e pela festa do comércio.
Qualquer ideia de fraternidade universal ficaria incompleta, e pobre, se esquecêssemos o mundo em que vivemos. O Ambiente não é mais do que o meio onde a vida humana é viável, no planeta onde nos foi dado existir.
Vista do espaço (onde os homens sonham outras viagens, e outros mundos) a Terra surge-nos na sua imensa fragilidade azul, pátria da água, da atmosfera que a existência de vida facilitou e que é garantia de vida. E morada de todas as espécies viventes, fauna e flora, e de todos os modos possíveis de a vida prosperar e evoluir, incluindo o Homem, e todos os povos que formam a Humanidade. A fotografia do nosso «planeta azul», captada pelos astronautas do programa Apolo, nos idos de 1972, ficou-nos na retina. Essa imagem fez mais pela ideia ecológica do que muitos discursos e teorias. Aquela esfera imperfeita é a casa comum dos homens, seja qual for a raça ou a cultura. Cuidar dela, curar as suas mazelas já tão visíveis, sobretudo travar as agressões que a marcha humana lhe inflige cada vez mais---devia ser nossa preocupação.
E para os que dizem que a atenção aos males do planeta, deixa para segundo plano as necessidades humanas e o cuidado com as pessoas, convém deixar a resposta que nos é dada pela ciência: factores geográficos, mas também políticos e geoestratégicos, fazem dos pobres da Terra, uma vez mais, as vítimas principais da degradação do ambiente global, agora e no futuro. As alterações climáticas, consequência da nossa voracidade em energia e em consumo, vão seguramente fazer-se sentir com pior intensidade e gravidade nos países equatoriais e tropicais e ainda nos territórios com clima já hoje árido. Por ironia do destino, aí se concentra a maior parte da população mundial. O agravamento das secas e da carência de água, o declínio da agricultura e o avanço dos desertos, os fenómenos meteorológicos extremos, tudo isso pode complicar mais a vida, já tão precária de tantos povos. Questão de injustiça: esses povos são os que menos poluem e menos recursos naturais gastam!
Um outro dilema moral e de solidariedade se nos depara: o futuro. As novas gerações, os que ainda nem nasceram, pagarão o preço dos nossos erros, do nosso egoísmo? Que Terra lhes deixaremos? Mais pobre, mais suja, menos habitável?
Consciência universal, que o Natal nos lembra, é ainda repensar o direito, a que antes nos arrogávamos, de destruirmos a Natureza e os seres que connosco partilham a existência no planeta azul. Seremos os gestores sensíveis da Terra ou os algozes da diversidade da vida?
Boas Festas para todos!
(Crónica publicada no JN em 24-12-08, precisamente há um ano.)

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