Penso em um tigre. A penumbra exalta
a vasta Biblioteca trabalhosa
e parece afastar as prateleiras;forte, inocente, ensanguentado e jovem,
ele irá por sua selva e sua manhã,
marcando seu rastro na limosa
margem de um rio cujo nome ignora
(Em seu mundo não existem nomes, nem passado,
nem porvir, somente um instante exato.)
E vencerá as bárbaras distâncias
e farejará na renda labiríntica
dos aromas o aroma do veado.
Por entre as raias do bambu, decifro
suas raias e pressinto a ossatura que vibra
sob a pele esplêndida.
Em vão se interpõem os convexos
mares e os desertos do planeta;
desta casa de um remoto porto da
América do Sul te sigo e sonho,
ó tigre das margens do Ganges.
Cresce a tarde na minh’alma e reflito
que o tigre evocativo do meu verso
é um tigre de símbolos e sombras,
uma série de tropos literários
e de memórias de enciclopédia,
e não o tigre fatal, aziaga joia, que,
sob o sol ou a diversa lua,vai cumprindo em Sumatra ou Bengala
sua rotina de amor, de ócio e de morte.
Ao tigre dos símbolos, opus
o real, o que tem sangue quente,o que dizima a manada dos búfalos,
e hoje, 3 de agosto de 59,
estende na planície uma pausa
da sombra, mas já o fato de nomeá-lo
e de conjecturar sua circunstância
o faz ficção artística e não criatura
viva das que andam pela terra.
Um terceiro tigre buscaremos. Este
será como os outros uma formade meu sonho, um sistema de palavras
humanas, e não o tigre vertebrado
que, mais além das mitologias,
pisa a terra. Bem sei, algo entretanto
me impõe esta aventura indefinida,
insensata e antiga, e persevero
em buscar pelo tempo desta tarde
o outro tigre, o que não está no verso.
Jorge Luis Borges
In: El Hacedor (1960). Obra Poética, 2. ed., Buenos Aires, Emecé, 2008
sexta-feira, janeiro 15, 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Pisando e buscando,assim continuarei.
ResponderEliminar