terça-feira, janeiro 26, 2010

PROMETEU, O MITO

Os mitos não têm vida por si mesmos. Aguardam que nós os encarnemos. Mesmo que um só homem no mundo responda ao seu apelo, é o bastante para nos oferecerem a seiva intacta. Nossa tarefa é a de preservar esse homem e de fazer com que seu sono não seja imortal, a fim de que a ressurreição se torne possível. Por vezes duvIdo de que nos seja dado salvar o homem dos nossos tempos. Mas ainda é possível salvar os filhos desse homem, em seus corpos e em seu espírito. É possível ofere­cer-lhes as oportunidades da felicidade e da beleza, a um só tempo. Se devemos resignar-nos a viver sem a beleza e a liberdade que ela implica, o mito de Prometeu está entre aqueles que nos farão lembrar que toda mutilação do homem não pode ser senão provisória e que ninguém mostra nada do homem se não o apresenta por inteiro. Se ele tem fome de pão e de urzes e se é verdade que o pão é mais necessário, aprendamos então a preservar a lembrança das ur­zes. No coração mais sombrio da história, os homens de Prometeu, sem interromper seu penoso ofício, conservarão um olhar sobre a terra e sobre a relva incansável. O herói acorrentado, mesmo sob o raio e o trovão divinos, mantém inabalável sua fé no homem. Assim, ele é mais duro que sua rocha, mais paciente que seu abutre. Melhor do que a revolta contra os deuses, é essa longa obstinação que faz sentido para nós; e essa admirável vontade de não separar nem excluir nada que sempre reconciliou e reconciliará o coração dolorido dos homens e as primaveras do mundo.

Albert Camus

2 comentários:

  1. "Se ele tem fome de pão e de urzes e se é verdade que o pão é mais necessário, aprendamos então a preservar a lembrança das ur­zes. No coração mais sombrio da história, os homens de Prometeu, sem interromper seu penoso ofício, conservarão um olhar sobre a terra e sobre a relva incansável. "

    Aprender ..sempre!

    ResponderEliminar
  2. Ulisses

    O mito é o nada que é tudo.

    O mesmo sol que abre os céus

    É um mito brilhante e mudo –

    O corpo morto de Deus,

    Vivo e desnudo.

    Este que aqui aportou,

    Foi por não ser existindo.

    Sem existir nos bastou.

    Por não ter vindo foi vindo

    E nos criou.

    Assim a lenda se escorre

    A entrar nas realidade,

    E a fecundá-la decorre.

    Em baixo, a vida, metade

    De nada, morre.

    ResponderEliminar