quinta-feira, abril 15, 2010
VIL TRISTEZA
Quando, a 20 de Fevereiro, milhares de cidadãos de todas a idades e profissões, em todo o país, enfrentando chuva e vento, lançaram mãos ao trabalho de «Limpar Portugal», virou-se uma página na história da participação cívica portuguesa. Uma iniciativa da chamada «sociedade civil», com exclusivos intuitos cívicos, mobilizou-se para abordar a imensa lista de lixeiras, dispersas por tudo quanto é sítio, degradando a paisagem, poluindo solos e águas. Milhares de voluntários agiram, concretamente, não se conformando com a deplorável realidade, incluindo a inacção das autarquias e do governo. Ficou desmentida a ideia de que em Portugal reinam, absolutos, a apatia, o desinteresse, o comodismo e os mais egoístas e medíocres hábitos de vida em sociedade. Os resultados nem precisariam de ser muitos, porque bastaria a iniciativa e o exemplo. Mas foram! Recolheu-se cerca de 70 mil toneladas de resíduos e identificaram-se mais de 13 mil pontos ocupados por lixeiras, entre matas e terrenos urbanos!
Se nada pode apagar o interesse e o mérito de «Limpar Portugal», uma notícia de há dias veio demonstrar que o espírito que cria as lixeiras a monte e a mentalidade que assim maltrata o espaço público continua bem viva—e com requintes de malvada perversidade.
Os bravos voluntários que se ocuparam da serra da Freita, em Arouca, deram com uma enorme lixeira que parecia demasiado recente. Os restos eram de esponjas sintéticas utilizadas para construir bancos para automóveis. Suspeitando já da novidade, foi-se procedendo à limpeza ao mesmo tempo que foram alertadas as autoridades. Do que se apurou, o caso foi este: uma empresa com licença de gestão para resíduos não urbanos, paga para dar destino adequado ao lixo, decidiu antes despejar esse conteúdo na serra da Freita, sabendo com certeza que os cidadãos de «Limpar Portugal» se encarregariam do trabalho no dia anunciado!
Brada aos céus e quase não se acredita! Claro que se espera a punição necessária, e que não tarde a justiça. Mas certo é que sempre alguém encontra maneira de contornar os regulamentos e as leis, não hesitando muitas pessoas na prática do mais descarado oportunismo, abusando da boa vontade alheia e prejudicando todos.
Também não deixa de ser estranho que uma empresa com tais práticas— pode adivinhar-se que este caso não seja único no seu género— obtenha licença para gerir resíduos com especial delicadeza e toxicidade, sem que as autoridades competentes fiscalizem e acompanhem o seu desempenho.
Assim, não vamos lá. Maus cidadãos e governação fraca é mistura que não se recomenda.
Talvez os maus exemplos, de cobiça e de egoísmo social, que infelizmente vemos vir de cima, contribuam para este degradante estado de coisas.
Precisa-se de mais atenção, melhor educação para a cidadania, leis mais claras que possam ser exemplarmente cumpridas. Muito do urbanismo que se consente, tanto do que é socialmente admitido como normal, como os favoritismos e compadrios que descambam na mais pura corrupção, são elementos desta teia pesada que nos rebaixa e nos deprime.
Pensemos antes do mais no esforço de tantos para o bem comum. Mas será sempre difícil ignorar actos que nos reduzem à costumeira «austera, apagada e vil tristeza»!
Bernardino Guimarães
( « Um Olhar Sobre a Cidade», na Antena 1, 15/4/010)
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Enquanto não se aplicarem as medidas certas, penalizadoras deste tipo de comportamentos, a quem os pratica...
ResponderEliminarEnquanto se valorizar a esperteza saloia, em detrimento da formação cívica...
Enquanto não houver Justiça e Educação, estas situações irão multiplicar-se.
As pessoas que, comprovadamente, cometeram ou mandaram cometer este tipo de delito, deviam ser penalizadas, dando "x" tempo à comunidade, a limpar o lixo dos outros, em estações de tratamento...