terça-feira, agosto 17, 2010

QUANDO TUDO ARDE


Os fogos florestais tornaram-se habituais a ponto de já nem estranharmos, ou entranharmos, a dimensão da tragédia? Certo é que, após alguns anos de Verão mais ameno, o estio destes últimos tempos devolveu-nos aquela velha sensação de que nada está de facto controlado ou previsto. Sejamos realistas: basta que a temperatura aqueça e a humidade atmosférica escasseie, e tudo arde. As melhorias, inegáveis, dos dispositivos de combate aos fogos pouco acrescentam ao cenário, que volta a ter as proporções dantescas dos fatídicos anos de 2003 e 2005. Parece claro, demasiado claro que este problema tem raízes fundas e nunca será debelado satisfatoriamente apenas, através da luta contra as « ignições» que se multiplicam pelo país inteiro, começando de noite ou nos locais mais recônditos onde se torna mais difícil deter a progressão das chamas.
Talvez este combate devesse ser todo o ano, talvez devesse ser tarefa de quem na administração pública tutela as florestas ( Ministério da Agricultura) e as áreas protegidas e biodiversidade ( Ambiente) e só depois um problema da Administração Interna. Já temos planos nacionais e regionais que orientam, de modo geral de forma avisada, a gestão das matas e que estabelecem as normas correctas que deveriam ser aplicadas. Os municípios teriam aqui um papel fundamental, de proximidade, com os seus planos de ordenamento florestal. Mas será que tudo isto é concretamente realizado, há articulação e vontade política geral?
A resposta é não, infelizmente. Se o país arde, se o território está desarrumado, se o mundo rural jaz ao abandono, se as práticas criminosas ficam impunes, é o Estado que se demite e perde a autoridade.
Será politicamente incorrecto dizê-lo, mas a verdade é que os incendiários não se resumem a meia dúzia de tarados que espalham as chamas por compulsão doentia; temos de assumir que são centenas, se não milhares, aqueles que ateiam fogos um pouco por todo o lado, pelos motivos mais fúteis e variados. De que outra forma se poderá explicar as centenas de incêndios simultâneos que se verificam em certos dias?
Não é difícil concluir que existe uma « sociologia do fogo» ainda mal estudada e investigada. Os conflitos de propriedade, de direitos de caça, interesses imobiliários, ódios entre pessoas e grupos, vontades e rancores avulsos, práticas como a criação de zonas abertas para pastos, enfim, não faltam motivos para o crime muito para além das patologias geralmente apontadas.
Causa estrutural, está mais do que assente, é o desordenamento do território, somado à negligência também criminosa das queimadas, dos foguetórios e das fogueiras, que seria preciso reprimir no terreno, mas antes do mais o tipo de matas ( não confundir com floresta!) que temos, geralmente plantadas a esmo em terrenos que eram agrícolas, com resinosas e eucaliptos sem critério nem ordem, forma primária de rentabilização. Uma mistura literalmente explosiva!
O fogo voltou a rondar os desordenados territórios suburbanos e o que resta de verde transforma-se em cinzas, caindo em plena cidade. Foi assim no Grande Porto, desta feita um drama com perdas humanas. Uma jovem bombeira foi a heroína, tragicamente caída num combate corajoso e desigual.

Que este exemplo de abnegação em prol dos outros possa inspirar os responsáveis políticos: assim, não iremos lá. Prioridades: repensar as matas que temos e o mundo rural que quase já não temos, a exigência do cumprimento das leis e punição dos criminosos, uma abordagem pró-activa e não tanto reactiva.
Este é um tema que queima. E por isso mesmo tema a esquecer mal se aproxime a frescura do Outono. Vamos deixar o esquecimento vencer?
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias, em 17/8/010)

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