quarta-feira, setembro 01, 2010

RECICLAGEM


A ser verdade que boa parte dos resíduos separados pelos cidadãos do Porto e depositados nos ecopontos, é misturado pelos serviços de limpeza municipais com o lixo indiferenciado, sofrendo o destino comum da incineração—estamos perante um triste exemplo do que não deveria nunca ser feito. Do que não julgaríamos possível.
A reciclagem doméstica de resíduos é uma importante fracção do que deverá ser uma política de tratamento adequado dos chamados « lixos urbanos» reduzindo o monstruoso desperdício de recursos valiosos e a dramática escassez de locais de deposição dos restos do grande festival do consumo.
A falta de oportuna recolha domiciliária dos materiais separados—apenas ensaiada como experiência que infelizmente, não se generalizou—faz da ida ao ecoponto um gesto de voluntarismo cívico, de doação de tempo e de esforço que muitos cidadãos repetem diariamente, desmentindo a tão propalada indiferença geral e apatia. Uma soma colossal de pequenos sacrifícios que em prol do ambiente são realizados, sendo as autarquias beneficiadas financeiramente com o produto desses esforços anónimos que enchem os contentores tricolores. Ainda em muito menos escala do que em alguns países, a reciclagem entrou no vocabulário e na rotina de muitos, e é felizmente crescente a sua expressão.
Mas tudo isso depende, em primeiro lugar, de uma coisa simples: confiança. O gesto de civismo assenta na credibilidade do processo. Cidadãos que separam correctamente e depositam os resíduos nos ecopontos disponíveis, câmara municipal de os recolhe a tempo e horas e os encaminha fielmente para a unidade onde serão processados devidamente.
Se um destes elos se quebra, nada funciona. E como repor a confiança que tenha sido quebrada?
Já de há muito se constata que, pelo menos no Porto—mas o problema deve sentir-se em muitos concelhos—os ecopontos, uma vez cheios, não são esvaziados atempadamente, gerando maus cheiros e a perplexidade dos que a eles ocorrem, carregando sacos de resíduos, por vezes implicando deslocações consideráveis seja qual for o estado do clima. Vítima do seu próprio sucesso, atraiçoada por quem tem obrigação de a promover, eis a reciclagem literalmente nas ruas da amargura.
A simples suspeita de que o destino dos resíduos possa ser o mesmo que o dos lixos amalgamados e indistintos, irá seguramente infligir danos irreversíveis a um processo que seria preciso alargar e incentivar de várias maneiras.
Se é verdade que tal sucede, exige-se explicações e credibilidade para evitar que tal se repita. Sendo falsa a alegação, a Câmara deverá fazer o serviço público de esclarecer a cidade, afastando dúvidas sobre a eficácia e lisura dos seus procedimentos neste caso da reciclagem.
Reciclagem que não é tudo, diga-se de passagem, em matéria de gestão sustentável dos resíduos. A Redução é mesmo mais importante ainda, pois não podemos insistir na loucura do aumento da produção de lixo. E a Reutilização também é importante, sendo que nesse aspecto estamos mesmo a andar para trás!
Seja como for, sem mobilização cívica e esclarecimento público aprofundado nada se fará—e isso exige verdade e transparência como condição primordial!
Tudo isto, que tem a ver com resíduos e a forma como os encaramos e tratamos, se insere, ou deve inserir, no quadro mais vasto de procura de sustentabilidade, de procura de soluções para os problemas ambientais que se acumulam e agravam. Mas pouco se vê nessa sentido, enquanto outras tristezas de Verão se agigantam, para nosso desgosto: fogos florestais devastadores, abandono de animais, mortandade nas estradas. Mas isso são outros contos, outras crónicas!
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no JN, 31/8/010)

1 comentário:

  1. Felizmente, habito numa zona onde este problema não ocorre .Não compreendo,como é possível nessa zona que já pratica o processo de reciclagem há tanto tempo estar a regredir em vez de evoluir?
    De facto ,se ocorre o que diz, pode haver uma desmotivação das populações na separação dos resíduos o que seria lamentável.

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