terça-feira, outubro 12, 2010

PEQUENOS GESTOS

Privados da luz forte do Verão, eis que os dias mais curtos e cinzentos se instalam. É talvez uma transição mais dura, agora que o país se revê na «crise», na «queda» que é não tanto das folhas mas da esperança. Expectativas frustradas, sensação de engano e de perplexidade, um quadro social deprimente espreita…sem fim à vista.
Não há soluções «ecológicas» para a crise? Também as não há económicas, e as receitas tradicionais com que nos embalaram revelam-se como quimeras dissolvidas pela realidade. Mas, não esqueçamos, existe uma «crise ecológica» global que se cruza com as «crises económicas», em camadas sobrepostas neste momento baço, a crise de mudança e adaptação mundial a condições que prefiguram um novo tempo inquietante…e a crise desta velha nação, hoje endividada e sem ânimo.
Se não existem receitas mágicas e de efeito imediato, é talvez este o momento de, em vez de colectivamente entregarmos os pontos, sem luta nem mérito, tentarmos soluções de pequena escala, gestos de racionalidade e de rigor, em ordem a minorar os efeitos da depressão económica ( e moral) atenuando os dramas que atingem grande parte das pessoas.
Afastados os megaprojectos de infra-estruturas do Estado por manifesta falta de meios, creio que é agora o tempo de todos aqueles pequenos investimentos ao nível local e regional que podem fazer a diferença, criando algum emprego e ao mesmo tempo resolvendo problemas antigos, resultando idealmente em mais bem-estar social e coesão territorial. Exemplos? Uma série bem estruturada de leis e procedimentos e o reforço de projectos locais deveria relançar a reabilitação urbana nas grandes cidades. Reconvertendo a capacidade instalada das empresas e mobilizando o talento e a criatividade de diversas especialidades, a reabilitação de edifícios cria empregos de forma mais útil e rápida do que a construção de auto-estradas, ainda com a vantagem de que não endivida o país e concretiza um benefício ambiental, social e económico que rapidamente se tornará visível. Afastar a péssima imagem das cidades deprimidas e vazias, repovoar os centros históricos e evitar a construção nova que invade os territórios naturais e rurais, permitir maior economia ( e ecologia) na poupança energética das deslocações emprego-casa, dar uma imagem atraente às nossas cidades.
Em tempos de crise, os transportes públicos ganham importância. E se faltam verbas para a construção de novas grandes redes, tal não impede, antes obriga, a um esforço sério de coordenação e integração dos diversos modos de transporte, tornando-os acessíveis a todos e criando mais mobilidade sustentável. Isso é vital nas grandes áreas metropolitanas!
Faltam recursos para esbanjar em rotundas e pavilhões multiusos? Paciência. Avancem as pequenas intervenções que beneficiam os passeios e permitem a mobilidade dos velhos e deficientes; plantem-se árvores e abram-se ruas pedonais. Criem-se com actos simples  as condições necessárias de segurança nas ruas face aos atropelamentos e desrespeitos vários, fomente-se a bicicleta e o andar a pé.
Invista-se com critério…para poupar, na eficiência energética, modernizando a iluminação pública, instalem-se painéis solares nos edifícios públicos, nas escolas e bairros sociais. Organizem-se planos participados e mobilizadores dos cidadãos para despoluir rios e ribeiros. E não se esqueça a agricultura urbana, a importância dos mercados de frescos, as hortas sociais que podem melhorar a economia familiar de muitos. Uma cidade, para mais em crise, deve lembrar-se do papel crucial da terra e da produção local de alimentos!
 Pequenos gestos? Pior será ficar de braços cruzados!
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias, 12/10/2010)

1 comentário:

  1. Gostei muito, de facto são os pequenos gestos que têm que fazer a diferença.

    "Afastar a péssima imagem das cidades deprimidas e vazias, repovoar os centros históricos e evitar a construção nova que invade os territórios naturais e rurais, permitir maior economia ( e ecologia) na poupança energética das deslocações"

    Este é outro aspecto , para o qual tantos têm chamado a atenção e, nada se tem feito.

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