quarta-feira, novembro 10, 2010

EXPLOSÕES NO DOURO

A glória fugaz do Guiness Book ( essa maravilha fatal da nossa idade, indutora de futilidade) motivou explosões pirotécnicas superlativas sobre o estuário do Douro, há poucas semanas, com honras de actuação do «maior foguete do mundo» e tudo. Nesta orgia de luz e barulho ( assim foi anunciado, mas parece que resultou pífia a demonstração) as autoridades competentes, nomeadamente os municípios do Porto e de Gaia, esqueceram-se da Reserva Natural do Estuário do Douro, recentemente inaugurada com pompa e circunstância e que reclama algum sossego para a sobrevivência dos valores naturais que lá se albergam e que motivaram a criação da mesma Reserva. Está claro que o caso pode ser desvalorizado, e nem importa discutir agora os estragos que podem ter sido causados às aves migradoras que por ali buscam, precisamente, repouso e alimento, na pausa das suas viagens entre continentes. E pode legitimamente haver quem prefira o Guiness e o foguete de 12 quilos «com cana de seis metros e trinta propulsores ou rastilhos», à paz e tranquilidade das andorinhas-do-mar, dos corvos-marinhos, dos patos e das garças.
Mas o problema é afinal de coerência: se as autarquias dizem querer dar importância ao ambiente a à biodiversidade, se tal propósito anunciam nos seus planos e discursos, conviria que cumprissem a palavra, ao menos afastando perturbações óbvias da área crítica!
Mais do que a «grande explosão» pirotécnica, este foguetório quase que podia ser metáfora do que se passa quanto a Ambiente nesta região e neste país: muitas palavras, pouca acção e muito esquecimento. Excesso de fogo de artifício e diminutas realizações coerentes, determinadas, coordenadas.
O mesmo estuário do Douro que assistiu às refulgências de gosto duvidoso e escassa utilidade, constata todos os dias o aumento do seu grau de contaminação. Digo bem, aumento; os leitores têm todo o direito ao espanto ( e à indignação, digo eu) porque os «imensos» investimentos na despoluição, nas redes de saneamento e na construção de estações de tratamento de águas residuais ( ETAR) deveriam ter conduzido, pelo menos, a uma situação menos má. Só que não foi isso que aconteceu. Em torno do troço final do rio Douro, umas cinquenta linhas de água debitam diariamente poluição. São rios e ribeiros transformados em esgotos, tubos que levam águas pluviais misturadas com enormes quantidades de efluentes domésticos e industriais, enfim, as próprias ETAR que não funcionam de todo, sendo por isso uma farsa em forma de infra-estrutura ( caso da ETAR de Rio Tinto) ou que funcionando, não acautelam o tratamento terciário que elimine ou minimize a contaminação por microrganismos. Resultado, conforme há dias aqui foi revelado pelo JN, ouvido o hidrobiólogo Bordalo e Sá: um nível de contaminação no Estuário que é 200 a 500 vezes superior ao que permitiria atribuir qualidade balnear às águas!
Só uma acção determinada e eficaz, que envolva todas as entidades que «mexem» no Douro, poderá inverter esta situação lamentável.
Mas para tal, será preciso que o Plano de Ordenamento do Estuário do Douro (POE) em preparação, possa ser um instrumento de mudança. No conteúdo e nas orientações, como é evidente, mas também—como declarou ao JN Bordalo e Sá, no modelo de gestão que for escolhido para a sua execução. Se a prioridade não for dada à despoluição e sustentabilidade do Estuário, mas apenas às actividade ligadas aos portos e ao transporte de cargas, tudo pode continuar na mesma. Resta saber como e se será «agarrada» esta oportunidade, até porque há directivas europeias a cumprir. E as autarquias, saberão um dia trabalhar cooperativamente em prol do bem comum e da saúde do rio Douro?
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no JN em 26/10/2010)

2 comentários:

  1. "Só uma acção determinada e eficaz, que envolva todas as entidades que «mexem» no Douro, poderá inverter esta situação lamentável."

    Tantas reuniões e, no final , que resultados?
    Uma feira de vaidades.

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  2. Parabens Bernardino Guimarães,pelo excelente texto na defesa da despoluição do Estuário do Douro.Já era tempo que as Autarquias/Instituições responsáveis,tomassem medidas concretas,para inverter a situação criada com a poluição do Douro,e cumprissem as directivas europeias.Não tenho nada contra a realização do festival de música"Marés Vivas"...mas sou radicalmente contra a sua realização,junto á Reserva Natural do CABEDELO/Canidelo!!!(que agora,oficionalmente, chamam de Local do Douro...) É URGENTE QUE MUDEM DE LOCAL.

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