segunda-feira, janeiro 31, 2011

MÃE

Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?


Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.


Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.


Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!


                            Miguel Torga, in 'Diário IV'

1 comentário:

  1. SÓ POR ISSO, MÃE
    Mesmo que a noite esteja escura,
    Ou por isso,
    Quero acender a minha estrela.
    Mesmo que o mar esteja morto,
    Ou por isso,
    Quero enfunar a minha vela.
    Mesmo que a vida esteja nua,
    Ou por isso,
    Quero vestir-lhe o meu poema.
    Só porque tu existes,
    Vale a pena!
    Lopes Morgado, Mulher Mãe


    Não tenhas medo, ouve:
    É um poema
    Um misto de oração e de feitiço...
    Sem qualquer compromisso,
    Ouve-o atentamente,
    De coração lavado.
    Poderás decorá-lo
    E rezá-lo
    Ao deitar
    Ao levantar,
    Ou nas restantes horas de tristeza.
    Na segura certeza
    De que mal não te faz.
    E pode acontecer que te dê paz...
    Miguel Torga, Diário XIII

    ResponderEliminar