quinta-feira, março 24, 2011

ÁRVORES E O SEU DIA

Foi-se o dia que lhes atribuíram, ficaram as árvores. Ou pelo menos ficaram as que sobram de todos os rancores, circunstâncias e más vontades que as impedem, às árvores, de viver e de crescer. É claro que as efemérides nem sempre deixam marcas. O dia 21 de Março, neste clima ameno e agora já primaveril, não é tempo de plantar árvores e mesmo assim o plantio faz parte de toda a cerimónia que se preze…para a fotografia certamente. Quantas sobreviverão?
Estou certo de que mesmo as escolas que, renovadas e restauradas por édito governamental e de onde muitas e grandes árvores foram removidas, destruídas em nome do «progresso», até essas hão-de ter realizado a sua comemoraçãozinha adequada e reconfortante.
A função das árvores na ecologia e na economia, na balança de pagamentos e no ar que se respira, na beleza que inspiram e na riqueza que geram, isso foi propalado e discursado por todos os cantos da pátria. Pena é que continue sem haver ideia e vontade que salve e mantenha a floresta e cuidado e atenção que valorize a árvore.
No mundo todo, perderam-se já metade das florestas primárias ou originais por acção humana. A outra metade está querer a destruição das florestas húmidas, arrasadas sem dó nem piedade para dar lugar aos cultivos.
Mas na Europa quase nada resta do coberto vegetal de há uns séculos atrás, e apenas o replantio fez de novo surgir o verde no Velho continente, sem os valores naturais inseridos na vida da floresta antiga.
Somos nós, europeus e portugueses em particular, compradores de vasta madeira tropical proveniente da África ocidental e da América do sul, e boa parte desse comércio é ilegal e não respeita em perigo. Sempre que usamos óleo de palma, por exemplo, incentivamos sem as condições mínimas de sustentabilidade no corte e na gestão dos recursos florestais. Mas somos pródigos em conselhos dirigidos aos países do sul, apelando à protecção das matas tropicais sem pensarmos que, afinal de contas, sem compradores não há comércio e muito menos fora da lei e sem certificação exigível.
Por cá, também o dia mundial da floresta e da árvore foi ocasião para as habituais considerações sobre a importância da floresta. Mas será floresta, terá direito a esse nome, um infindável conjunto de árvores de uma só espécie, clonadas umas das outras por vezes e ainda por cima exóticas, quer dizer, sem relação com os ecossistemas das regiões onde são fixadas? Matas de produção, comerciais, são uma coisa; outra é a floresta que quase já não temos. Mas ambas estão ameaçadas põe um invasor implacável, o fogo, e parece que os meses outonais e invernosos nos fazem esquecer os dramas de cada Verão, que já só recordaremos quando os noticiários estivais, ou antes disso, nos derem conta das chamas percorrendo o país inteiro.
Para mudar isso, um só dia é mesmo muito pouco.
Bernardino Guimarães
(Crónica emitida em Antena 1, 24/3/2011)

3 comentários:

  1. Somos nós, europeus e portugueses em particular, compradores de vasta madeira tropical proveniente da África ocidental e da América do sul, e boa parte desse comércio é ilegal e não respeita em perigo.
    Pois é, o Homem tem memória curta e só pensa no lucro fácil.

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  2. é mesmo uma pena tudo isso meu lindo...
    não aceita esse comentário
    passando apenas pra dizer q AMO VC!

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  3. Triste, mas providencial reflexão.
    Enquanto não havia consciência ecológica e a humanidade se inflava com os avanços tecnológicos, o homem encantado com seu poder maior sobre a natureza; enquanto a Terra sofria calada todo tipo de violência e pouco sabíamos, ainda havia perdão. Enquanto inconscientes, perdoemos e nos perdoemos, afinal, não sabíamos o que fazíamos. Mas agora a consciência do desequilíbrio ambiental já está estampada em todas a faces, até nas mais hipócritas. Em relação às florestas, não dá mais para tolerar galpões imensos (aqui no Brasil tem muito disso..) com madeira nobre armazenada, resultado de comércio ilegal. Aí plantam algumas mudas, soltam rojões, anunciam nos jornais que estão empenhados em reflorestamentos, alardeiam aos quatro ventos que possuem Certificados, e tal e coisa... e coisa e tal...
    Precisamos, todos, viver com mais simplicidade, consumir e usar menos. Talvez um boicote na sofisticação seja um caminho - apenas um, há de se pensar em muitos - para que tenhamos alguma chance de sobrevivência neste planeta maravilhoso.
    Muito bom o que escreve, Peregrino, dá-nos oportunidade de pensarmos nossa insignificância e impotência diante dos fatos, mas também surge lá, bem fundo, alguma luz sobre a semente que ainda germina debaixo dos mais nobres ideais civilizaórios.
    Regina Gaiotto - Tietê, SP-Br

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