sexta-feira, abril 22, 2011

O APAIXONADO

Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Durer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.
Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.
Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.
Devo fingir que há outros.
É mentira. Só tu existes.
Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.

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Jorge Luis Borges, in "História da Noite"

2 comentários:

  1. Minha desventura,
    Minha ventura, inesgotável, pura...
    E nada mais é necessário...

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  2. "Devo fingir que existem essas coisas; apesar de não vê-las, sinto-as vistas na alma e ainda que finja não vê-las, a arma e a pira me queimam e me incendeiam. Devo fingir que existem essas coisas que não vejo... Mas tu, minha desventura, só tu, minha alma desnuda e te vejo, inesgotável e pura..."
    Adoro Jorge Luís Borges, por isto a tentativa de atingir sua transcendência nesta réplica.
    Regina Gaiotto - Tietê/SP - Brasil

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