terça-feira, maio 24, 2011

E VINHA VINDO A NOITE ENTRE OS PINHEIROS

E vinha vindo a Noite por entre os pinheiros, e vinha descalça com pés de surdina por môr do barulho, de braços estendidos p'ra não topar com os troncos; e vinha vindo a noite céguinha como a lanterna que lhe pendia da cinta. E vinha a sonh......ar. As sombras ao vê-la esconderam os punhaes nos peitos vazios.
A lua é uma laranja d'oiro num prato azul do Egypto com perolas desirmanadas. E as silhuetas negras dos pinheiros embaloiçados na briza eram um bailado de estatuas de sonho em vitraes azues. Mãos ladras de sombra leváram a laranja, e o prato enlutou-se.
Por entre os pinheiros esgalgados, por entre os pinheiros entristecidos, havia gemidos da briza dos tumulos, havia surdinas de gritos distantes - e distantes os ouviam os pinheiros esgalgados, os pinheiros gigantes.
A briza fez-se gritos de pavões perseguidos. E as sombras em danças macabras fugiam fumo dos pinheiraes p'lo meu respirar.
Escondidas todas por detraz de todos os pinheiros, chocam-se nos ares os punhaes acêsos. Faz-se a fogueira e as bruxas em roda rezam a gritar ladainhas da Morte. Veem mais bruxas, trazem alfanges e um caixão. Doem-me os cabellos, fecham-se-me os olhos e quatro anjos levam-me a alma... Mas a cigarra em algazarra de alêm do monte vem dizer-me que tudo dorme em silencio na escuridão.

Veio a manha e foi como de dia: não se via nada.

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1

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