quinta-feira, março 19, 2009

ÁGUA VIRTUAL

Foto de Raízes.e.Asas

Um quilo de carne de vaca, até chegar ao consumidor, exige o gasto de dez mil litros de água. Surpreendente? Mais ainda o será pensarmos que uma simples chávena de café, fumegante e consoladora, equivale a 140 litros de água dispendidos, desde o cultivo, passando pela produção e armazenamento dos grãos. Também no ciclo de produção de, digamos, meio quilo de queijo, vão-se 2 500 litros do precioso líquido. A substância vital da vida no nosso planeta Terra (que alguns prefeririam denominar planeta Água), bem escasso, perde-se assim, em processos que em grande medida ignoramos.
Os dados que aqui deixei provêm de estudos do professor Jonh Anthohy Allan, galardoado com o «Prémio Estocolmo da Água 2008», que estabeleceu a teoria da «Água Virtual», com o cálculo da quantidade desse líquido que é gasta na produção de alimentos. Água Virtual será deste modo, água cujo consumo real fica oculto no processamento dos alimentos, desde a agricultura e pecuária até à sua fabricação, armazenamento e distribuição. Quando vasculhamos as prateleiras dos supermercados, dificilmente temos consciência desse gasto de um recurso finito e frágil, que se junta aos consumos «visíveis» que vão do acto de beber, de tomar banho ou mesmo de abrilhantar o automóvel em domingueira lavagem.
Cada um de nós, habitante dos países ditos desenvolvidos, requer por dia entre dois e cinco mil litros de «Água Virtual», o que supera largamente a quantidade usada para o consumo directo.
A Hidrosfera (total da água existente junto da, ou na superfície da Terra) é vasta, configurando mesmo a cor azul que recobre, qual fina película milagrosa, o planeta que nos serve de casa, mas não ignoremos o facto de que os mares e oceanos retêm, pelo menos 97% de toda essa água, e que o gelo (as calotes polares e os glaciares) reivindica mais uns dois por cento. O que sobra de água doce e utilizável, em aquíferos subterrâneos, lagos e rios (e naturalmente na atmosfera) fica-se por menos de 1% desse líquido. Poluindo rios e lagos, contaminando aquíferos ou permitindo a sua salinização, estamos a reduzir ainda mais a quantidade do recurso disponível. Como outras coisas na vida, infelizmente, a disponibilidade de água no mundo está mal distribuída— grande parte da Humanidade vive em territórios áridos e semidesérticos onde todos os dias se joga a sobrevivência…na busca de um balde de água!
Dados recentes indicam que 1,1 mil milhões de pessoas vivem sem acesso seguro a água, cerca de 2,4 mil milhões não têm saneamento, e mais de cinco milhões morrem anualmente devido a essas carências básicas.
Acresce que as alterações climáticas em curso podem agravar este quadro não demasiado brilhante, tornando as secas e mais frequentes e prolongadas e estendo as «cinturas de aridez.».
As Nações Unidas prevêem que em 2050 possa haver cerca de 700 milhões de refugiados devido às secas e escassez de água.
Não só em África e Ásia— o sul da Europa é muito vulnerável e Portugal deve gerir com consciência e inteligência os seus recursos hídricos. Coisa que não se vê!
A insistência em projectos de agricultura intensiva e o turismo insustentável, que rega copiosamente campos relvados no clima semi-árido do sul do país, são exemplos do que se não deve fazer— mas se faz! Isso só é possível porque são fixados preços artificiais e políticos para este recurso escasso, resultando em mais desperdício e desigualdade no acesso à agua.
Entre rios poluídos (veja-se aqui o Leça, o Tinto, o próprio Douro) e o desperdício absurdo nas redes de abastecimento (em média perde-se 40% da água destinada ás cidades, por defeitos nas condutas e erros de concepção nas redes), pode dizer-se que uma política nova para a Água é urgente.
O método do professor Allan ajuda-nos a entender melhor essa necessidade, que nos toca enquanto consumidores, tantas vezes ignorantes da «pegada ecológica» que deixamos, nos gestos quotidianos e banais. Muito do que é essencial é deixado para trás nesta sociedade de consumo e de indiferença. Nada é mais essencial do que a Água, mesmo que «virtual» aos nossos olhos distraídos.

Bernardino Guimarães
(crónica publicada no Jornal de Notícias)

2 comentários:

  1. "A insistência em projectos de agricultura intensiva e o turismo insustentável, que rega copiosamente campos relvados no clima semi-árido do sul do país, são exemplos do que se não deve fazer— mas se faz! Isso só é possível porque são fixados preços artificiais e políticos para este recurso escasso, resultando em mais desperdício e desigualdade no acesso à agua."
    Infelizmente este problema subsiste e em maior escala!

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  2. É, O Peregrino, além de buscador, informa e critica. Bom mesmo, a maioria de nós, leigos, sabemos tão pouco de sustentabilidade. Penso... vai chegar um dia em que teremos muita moeda, mas faltará água e comida....Vamos comer e beber os dividendos dessa equação?
    Regina Gaiotto - Tietê/SP -Br

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