É mesmo assim: começa-se a escrita sabendo só o destinatário— ou nem isso, que as páginas amareladas dos escritos na gaveta as cartas de amor os recibos e bilhetes de comboio por vezes morrem onde menos se espera— e depois a coisa vai. Mas o que é sempre melhor é a gente saber que mensagem tem. O que quer dizer. O querer diz correr.
Depois não se sabe como. A mim fogem-me as palavras, uso-as demasiado, ficam velhas, caem de cansaço no sofá antiquíssimo da sala mais funda, ficam lá a dormir, nunca regressam, não querem ser repetidas, as palavras, dormem e mesmo dormindo acusam-me, de as atormentar em usos indevidos, de fazer vida minha com a vida delas. E as coisas param, por falta de brisa imobiliza-se o tempo, deixo-me esquecer, tento ser paciente.
Quando o melro canta e desamanhece em todas as paragens do mundo ou a lua brilha enorme e absurda e as marés exultam e se expandem através dos abismos, quando os átomos respondem infímos à música das esferas e nas galáxias se geram as grandes sombras, o mundo recomeça. Há outra vez barcos e aves migradoras e coisas que pulsam que cantam que morrem, a vida é real e a matéria organiza-se como se uma grande paciente e distante finalidade lhe trouxesse o sopro e a revelasse. Tudo respira: os grandes peixes os imensos lagartos das ilhas ao longe, placas continentais roçam-se e zangam-se, colidem cometas e ao colidirem uma antiga palmeira recorta-se contra o céu de fogo em contra-luz.
Acorda-se. As palavras invadem-me outra vez, mas agora tudo se ergue como se fosse novo e inicial.
Palavras: cavalo na orla do deserto, areia/vidro na lâmina da praia, noite convexa abrindo os pulmões e partindo. Coisas: fotografias como fósseis impressos, moscas ancestrais presas no âmbar, sândalo entre o fumo, tão azul.
Cores: cinza para o homem, dourado para o horizonte, verde para o oxigénio, rubro para a montanha. Azul-escuro para as grandes despedidas. Púrpura-navio.
Circum-navego, não digo. Divirto-me entre nada e nada, velocidade, texturas, nucas, perfis de lepidópetros, asas de libélula, tempo e espaço, microscópios para ver as estrelas.
Porque é tudo tão longe? Perguntam as palavras ao acordarem, derrubando jarros sobre mim, líquido da cor da esmeralda, clorofila imperfeita. Tudo é longe porque, me diziam, os grandes navios passam agarrados ao fio do horizonte, têxtil do fundo das eras, madrugam no redondo das ondas e nunca chegam perto de quem os vê da costa. Existem para serem longe, talvez passem ao longe e já nem existam, tal a distância. Isto dou eu em resposta, fugindo ao côncavo da questão, mestre na arte da fuga, abstracção pura, risco no metal, respiração pesada, cor de mármore por fora. E detecto os pormenores, palpáveis, vejo todas as janelas abertas e todos os rins cansados de amor, mesmo as almas exangues deitadas no chumbo do sol ao meio-dia.
Um dia desisto. Mas não agora. Tenho que saber a quem se destinam estas palavras, que sentido tem a posição relativa dos astros, o que move as formigas e as algas, porque viajam as aves. Porque desaguam corredores na penumbra do quarto?
Sem eco de resposta, pronto, sabe-se lá onde vai parar este escrito, em que éter navega e a que ilha chega. Que tem a haver a tristeza de uns olhos e as pestanas de uma alma com tudo isto?
Chamo-lhe destino por facilidade: pode ser um grande vento, a montanha sobreelevada pela lava, fragmentos de ilhas, a constelação de quartzo e de grafite cujo centro/coração é diamante. Não importa nada. Reuni estas palavras para não me repetir à procura. E são mícrons, células, pulsares, ondas salgadas, electrónica, correio, veia puríssima.
Como quem diz.
BG (retirado do arquivo de divagações errantes do Peregrino)
Depois não se sabe como. A mim fogem-me as palavras, uso-as demasiado, ficam velhas, caem de cansaço no sofá antiquíssimo da sala mais funda, ficam lá a dormir, nunca regressam, não querem ser repetidas, as palavras, dormem e mesmo dormindo acusam-me, de as atormentar em usos indevidos, de fazer vida minha com a vida delas. E as coisas param, por falta de brisa imobiliza-se o tempo, deixo-me esquecer, tento ser paciente.
Quando o melro canta e desamanhece em todas as paragens do mundo ou a lua brilha enorme e absurda e as marés exultam e se expandem através dos abismos, quando os átomos respondem infímos à música das esferas e nas galáxias se geram as grandes sombras, o mundo recomeça. Há outra vez barcos e aves migradoras e coisas que pulsam que cantam que morrem, a vida é real e a matéria organiza-se como se uma grande paciente e distante finalidade lhe trouxesse o sopro e a revelasse. Tudo respira: os grandes peixes os imensos lagartos das ilhas ao longe, placas continentais roçam-se e zangam-se, colidem cometas e ao colidirem uma antiga palmeira recorta-se contra o céu de fogo em contra-luz.
Acorda-se. As palavras invadem-me outra vez, mas agora tudo se ergue como se fosse novo e inicial.
Palavras: cavalo na orla do deserto, areia/vidro na lâmina da praia, noite convexa abrindo os pulmões e partindo. Coisas: fotografias como fósseis impressos, moscas ancestrais presas no âmbar, sândalo entre o fumo, tão azul.
Cores: cinza para o homem, dourado para o horizonte, verde para o oxigénio, rubro para a montanha. Azul-escuro para as grandes despedidas. Púrpura-navio.
Circum-navego, não digo. Divirto-me entre nada e nada, velocidade, texturas, nucas, perfis de lepidópetros, asas de libélula, tempo e espaço, microscópios para ver as estrelas.
Porque é tudo tão longe? Perguntam as palavras ao acordarem, derrubando jarros sobre mim, líquido da cor da esmeralda, clorofila imperfeita. Tudo é longe porque, me diziam, os grandes navios passam agarrados ao fio do horizonte, têxtil do fundo das eras, madrugam no redondo das ondas e nunca chegam perto de quem os vê da costa. Existem para serem longe, talvez passem ao longe e já nem existam, tal a distância. Isto dou eu em resposta, fugindo ao côncavo da questão, mestre na arte da fuga, abstracção pura, risco no metal, respiração pesada, cor de mármore por fora. E detecto os pormenores, palpáveis, vejo todas as janelas abertas e todos os rins cansados de amor, mesmo as almas exangues deitadas no chumbo do sol ao meio-dia.
Um dia desisto. Mas não agora. Tenho que saber a quem se destinam estas palavras, que sentido tem a posição relativa dos astros, o que move as formigas e as algas, porque viajam as aves. Porque desaguam corredores na penumbra do quarto?
Sem eco de resposta, pronto, sabe-se lá onde vai parar este escrito, em que éter navega e a que ilha chega. Que tem a haver a tristeza de uns olhos e as pestanas de uma alma com tudo isto?
Chamo-lhe destino por facilidade: pode ser um grande vento, a montanha sobreelevada pela lava, fragmentos de ilhas, a constelação de quartzo e de grafite cujo centro/coração é diamante. Não importa nada. Reuni estas palavras para não me repetir à procura. E são mícrons, células, pulsares, ondas salgadas, electrónica, correio, veia puríssima.
Como quem diz.
BG (retirado do arquivo de divagações errantes do Peregrino)
Longe, muito pr' além do fio azul do horizonte
ResponderEliminarOnde tuas palavras vêem passar grandes navios
Outras palavras se erguem, questionam, esmorecem
Ou…acreditam, reavivam, sorriem e aquecem!
Contentes por ler nas tuas saber, beleza, poesia,
Cultura, estilo, sentimento e sedução...
Outras palavras singelas secam...
E não encontram senão
Mais apego e admiração…
O meu rosto triste que olha o mar
Nesta ilha de lava e bruma
Peregrino, hoje teve brilho no olhar
Pois tuas palavras, uma a uma,
Com sorriso nos lábios, me fizeram sonhar!
Aqui, deste lado do Mar
Onde os navios chegam perto
E o longe não é deserto
Onde a Natureza é Maravilha
E os trilhos só dão ao Mar
Sinto alegria por me perder
E nas tuas palavras me encontar
E daqui me vou…
Continuando a navegar…
De ilha em ilha…
Azul em azul
Verde em Verde
Continuar a viver
Continuar a sonhar
Para esquecer
E recordar
E enquanto não chega à ilha
O herói dos meus sonhos
Eu serei a onda perdida
Esquecida
Como as cartas de Amor da tua vida
Que um dia Gostaria de ler
Nos teus olhos, quando te pescar
Agora resta-me sorrir
E acreditar.
H.
Saber a quem se destinam dá equilíbrio.
ResponderEliminarNunca fugir aos pormenores e, acima de tudo ,nunca magoar o emaranhado de de células que são as pessoas que te rodeiam e amam.
A capacidade de começar tudo de novo , como na natureza, e não ser mais mestre na fuga.
Parabéns pelo belíssimo texto.