segunda-feira, março 16, 2009

MAGNÓLIAS

Foto de Alberto Guimarães

Da actualidade, retiro a crise. A crise dos números, a crise dos créditos, a crise na vida de tantos. Mas não só— e a explosão das magnólias é um facto a assinalar. Pétalas rosa e brancas, um pouco por todo o lado onde as deixam crescer, evanescentes e festivas. Ostentam flores antes mesmo de terem folhas. Vê-las é um intervalo para a beleza. Das magnólias-de-flores-grandes li que são originárias do sudoeste dos Estados Unidos. Já as suas congéneres, as magnólias-estrela, ou estreladas, vieram do Japão onde ornamentam jardins e se imagina pertencerem a tradições meticulosas e ancestrais. E há outras!
Nesta época, as magnólias que podemos ver nos jardins ou em ruas, são como personagens românticas de outra peça que não é a da velocidade febril da urbe, nem segue o roteiro sincopado e conformista dos minutos nervosos e vazios. Pura contemplação. Magnólias alheias às notícias, à espuma dos dias. Assim tão inesperadas que quase ferem, e tão pouco usuais que apetece parar o momento em que as vemos. O sublime também invade as ruas, brilho contra a banalidade e a tristeza. Mas é efémero. E as pétalas como túlipas aéreas, lá vão derramando as suas cores sobre o asfalto torturado.
Anúncio de Primavera? Sem dúvida, como as andorinhas-dos-beirais que, mais raras hoje em dia, já se podem ver no céu da cidade, voos altos, riscando o ar, silhuetas escuras ainda pulsando ao ritmo das savanas africanas onde passaram tantos meses.
A Natureza não foi totalmente expulsa da cidade.
Pode o urbanismo descrer da beleza e da calma. Ainda que os bulldozers sejam muitos e eficientes. Fica sempre alguma magnólia, alguma memória, um jardim que é lembrança e lago e canto e sombra, alguma ave— como a rola-turca que grita agudo ao voar do cabeço de uma araucária. E o melro-preto matinal cantando flauteado e ondulado num arbusto secreto.
E à noite, meus amigos, um arremedo de luz prateada denuncia a Lua cheia, branca e grande, plena, planando sobre a quietude marítima da Foz.
Da actualidade, a crise. Sem dúvida. Até a crise de tanto esquecermos o essencial.
As magnólias essas, fazem por ignorar o que há de dramas no tempo que passa, a Banca delinquente, o mundo às avessas. Fixas ao chão, as imagens que projectam rasgam rapidamente o cenário das ruas. E explodem de tanto serem parte de tudo. Dura pouco a floração, parte de nós.

Bernardino Guimarães
(crónica radiofónica, rubrica «Um Olhar Sobre a Cidade», na Antena 1, 12/3/09)

1 comentário:

  1. "O sublime também invade as ruas, brilho contra a banalidade e a tristeza. Mas é efémero. E as pétalas como túlipas aéreas, lá vão derramando as suas cores sobre o asfalto torturado."
    Que belo momento, mesmo sendo efémero,fica marcado no meu coração.

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