segunda-feira, março 30, 2009

O PESADELO

Acordei com as imagens vivas de um pesadelo, pesando. Ergo-me, tento colocar as ideias em ordem. Que extraordinário sonho me tinha assim perturbado?
Para os leitores receosos, afirmo já que este não é, acredito, o início de uma crónica intimista, das que oferecem a quem lê os admiráveis sucessos da vidinha do cronista. Nem um daqueles relatos judiciosos sobre o que se passa na rua do autor, farto de dar cabo da suspensão do carro por causa daquele buraco...não, podem ficar em sossego.
A incursão pelo onírico também não se destina aos anais da interpretação dos sonhos—quem quiser pode fazê-lo, mas à minha rebelia--- é mesmo só desabafo!
Eu conto o sonho e o susto. Talvez produto de algum cansaço e de leituras que tenho feito ultimamente, sonhei, com uma paisagem que me era de algum modo conhecida. Estava um pouco escuro, caíra a tarde, mas havia um cenário aberto, o leito cavado do grande rio Douro, não muito longe do seu termo. Tudo parecia igual ao que sempre conheci, até que avistei, ao longe, sobressaindo numa das margens, o perfil arredondado de uma enorme usina, tendo ao centro duas imensas chaminés debitando fumo esbranquiçado. O rio corria, a cidade brilhava ali perto, mas os meus olhos não podiam deixar de fitar a novidade—o monstro iluminado e massiço , mas silencioso. Fui-me aproximando, pé ante pé, coração acelerado. Na frontaria, li, numa grossa placa de granito cinzento, os dizeres:«Douro 2015, reactores I e II. Por favor, não atravessar a cerca». Ladravam cães e passavam vultos humanos por detrás da alta vedação. O efeito foi-se em mim acentuando. Assaltou-me o que agora percebo, terá sido ataque de pânico. Nessa altura, o despertar foi rápido e entre suores frios. Alívio e confusão. Que tinha visto eu? Uma nave espacial extra-galáctica, porventura ali estacionada para procurar vida inteligente na Área Metropolitana?
Nada disso; numa projecção futurista, a central nuclear do Douro em 2015. Antecipação? Viagem no tempo? Não sei. Asseguro que não sou nenhum Júlio Verne nem possuo dotes premonitórios aproveitáveis. Foi pesadelo, pronto. Acordado, racionalizo, enfim, o excruciante episódio: como posso ter sonhado tal absurdo? Uma central atómica à beira-Douro?
Só posso atribuir tal bizarria às notícias que – percebo-o agora— me impressionaram para lá do razoável. O leitor deve também ter lido e ouvido— que Portugal precisa de energia nuclear, que sem ela não se desenvolve o país, que agora a coisa é segura, que uma central precisa de água, muita e constantemente, para arrefecer as turbinas e que por isso hão-de localizar-se as ditas perto de grandes cursos de água. Daí ao pesadelo, foi um passo!
Desde que um ilustre investidor—o mesmo que «vendeu» já uma supernova refinaria para Sines—proclamou aberta a campanha do nuclear em solo português, com economistas atentos dando a sua sanção indiscutível ( não se fala por aí da «teologia do mercado»?),-- fatalmente a localização da central ou centrais ( uma só parece que não é rentável) é tema para discussão. Ou mais exactamente— devia ser, que essa parte é segredo. Uns rumores, conversas de café, vão deixando cair as hipóteses mais desvairadas.: Junto ao Alqueva, num dos grandes rios internacionais, sempre perto de grandes vias de comunicação e da água.
Por isso, caros leitores, o meu sonho amargo pode não ter sido assim tão disparatado. Nesse caso, preparemo-nos para encontrar (em sonhos?) sítio também para o justo repouso dos resíduos radiactivos, que o serão durante muitos milhares de anos.
Estarão garantidos os pesadelos... para muitas gerações do tempo futuro!

Bernardino Guimarães

(Um sonho mau do Peregrino, há três anos, resultou nesta crónica publicada no JN a 7/3/ 2006.)

2 comentários:

  1. Caro Peregrino...
    Que teu pesadelo não seja um preságio de más notícias pra tua linda cidade...
    Desde 1979, nós presenciamos pelo menos dez acidentes em instalações nucleares, incluindo o do Japão que ocorreu depois do país ser atingido por um terremoto e um tsunami nesta sexta-feira passada.
    Mesmo com tanta modernidade e comsumismo na nossa sociedade, não se faz juz a essa empreitada. Embora omparada às usinas termelétricas e hidrelétricas, e ainda apresentando grandes vantagens como fazem questão de alardear todos os países que detêm essa tecnologia nuclear... ela está longe de merecer qualquer respeito...
    Os problemas com os rejeitos radioativos e os acidentes nucleares registrados até agora demonstram que é totalmente falho o modo pelo qual esta energia é gerada atualmente e isso demonstra que o ser humano não passa de um aprendiz nesse assunto, apesar de aparentemente estar convencido de dominar todo o processo.
    De qualquer forma... o que ocorreu na segunda metade deste século em matéria de acidentes nucleares fornece uma boa amostra dos perigos a que a humanidade ficou exposta nas últimas décadas...
    Rezo que não se confirme teus pesadelos...

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  2. Espero que continue a ser um sonho, que não se torne realidade.

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