Em Novembro de 2000, na viragem do século, morre em Versailles o naturalista-viajante francês Théodore Monod, humanista, filósofo e cientista. Tinha 98 anos de idade este homem a quem, sem exagero, se pode chamar «uma das consciências» do agitado século XX, que percorreu através de uma vida singular, sempre em busca do que é essencial no homem e na sua relação com a Natureza.
Atraído desde muito cedo pelas ciências naturais, o jovem Monod descendia de uma família marcada pela espiritualidade e pela vivência ética do cristianismo protestante. Os estudos e uma sede de saber que nunca o abandonou levaram-no naturalmente até à carreira de professor e de investigador. Estudante brilhante de zoologia e de Botânica, experimenta aos 18 anos as primeiras viagens e a atracção pelo Oceano. Mergulho de batiscafo, observação da fauna marinha, conhecimento de outras culturas. Monod nunca seria um erudito vulgar, um académico de carreira— de algum modo ele foi um explorador, um naturalista viajante à maneira dos enciclopedistas do século XVIII, achando novos horizontes para a ciência, certamente, mas igualmente em busca do seu próprio destino, de razões fundas para a existência humana plena.
Ao mar imenso e desconhecido, segue-se para Théodore uma outra imensidade: o deserto.
Este «continente desconhecido» fascinou indelevelmente o jovem filósofo explorador. O deserto ficou como sendo o cenário mais presente na vida deste naturalista especial— talvez «o último naturalista» como alguém disse— e tornou-se mesmo no tema mais conhecido para os que seguiram a sua obra ou tiveram ecos da sua fama.
O deserto de Monod era o Sara, que conheceu entre 1934 e 1938, depois de alguma hesitação entre o «oceano salgado» e o «oceano pedregoso». Nesta aventura que durou 5 anos, Monod descobre o Sara ocidental, do Senegal até à Mauritânia. Faz recolhas deveras proveitosas. Reúne dados biológicos, geológicos, e etnológicos. Nada nestas ciências lhe é estranho, nem se resolve a tornar-se um especialista no sentido banal ou redutor.
Acaba por, já casado, trocar Paris pelo norte de África. Funda em 1938 o Instituto da África Negra, ao qual irá conferir a coluna vertebral de uma organização científica.
O deserto não mais saiu da vida do naturalista, que vai dando asas à sua faceta de escritor, trabalhos científicos e reflexões que o deserto e o encontro com culturas bem longe dos cânones ocidentais lhe iam suscitando. O filósofo confunde-se com o estudioso da Natureza sem problemas, e o cidadão interveniente vai ganhando relevo. Pacifista, ecologista antes da palavra se espalhar pelo globo, fervoroso crítico da superficialidade e da grosseria que via na sociedade dita «desenvolvida», paladino da fraternidade universal e da compaixão para com todas as criaturas e da defesa do nosso agredido planeta azul.
Ergueu-se, na sua vida longa, contra o uso da arma atómica e da energia nuclear. Defendeu os direitos dos outros seres vivos que o homem, na senda de Descartes, considera «coisas» ou máquinas, empenhando-se na luta contra a caça e em outras causas ambientalistas (mesmo nos últimos anos que viveu.)
O deserto de Monod é o deserto de tantos outros que buscaram as «ásperas solidões benignas», o deserto dos ascetas, dos santos e dos viajantes que procuram o fundo de si mesmos. É também o deserto que esconde uma extraordinária vida animal e vegetal, discreta e escondida aos nossos olhos.
O deserto que ele defendeu contra as guerras e até contra acontecimentos banalizantes e poluentes como o Rally Paris-Dacar.
Vale a pena conhecer a sua obra, uma das mais marcantes do nosso tempo.
De Monod disse Albert Jacquard:
«Todos os dias recebemos instruções para sermos eficazes, realistas, competitivos. Théodore Monod mostra-nos que esta corrida cega e perdida nos conduz ao abismo. Ele prefere a lucidez da utopia que nos faz escolher uma estrela distante, sem dúvida inacessível, mas na direcção da qual caminhamos e que guia as nossas opções quotidianas. Neste período em que as referências parecem ter desaparecido, ele propõe-nos algumas que nos podem fazer desviar para novos horizontes. É urgente escutá-lo!»
Bernardino Guimarães
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"O deserto de Monod é o deserto de tantos outros que buscaram as «ásperas solidões benignas», o deserto dos ascetas, dos santos e dos viajantes que procuram o fundo de si mesmos. É também o deserto que esconde uma extraordinária vida animal e vegetal, discreta e escondida aos nossos olhos."
ResponderEliminarParabéns pelo trabalho .Monod merece esta divulgação.