terça-feira, abril 21, 2009

BARRINHA DE ESMORIZ

Quando penso na triste indiferença quanto ao nosso património natural, no descaso que rodeia os valores naturais e a sua necessária preservação, vem-me sempre à memória a Barrinha de Esmoriz/ Lagoa de Paramos, ali entre os concelhos de Espinho e de Ovar. Entre terra e mar, esse espaço natural subsiste, apesar da pouca atenção que lhe dedicam as autoridades oficiais. Se a sua degradação é patente, se os conflitos e desencontros em torno da sua gestão se multiplicam e eternizam, nem por isso deixou de ser uma preciosa zona húmida, um ecossistema valioso e singular, cuja importância merece ser realçada.
Na verdade, naquele refúgio, alberga-se uma diversidade biológica pouco comum, apesar das agressões, e o seu potencial e beleza mantém-se, como que a recordar o que podia ser: uma reserva natural devidamente gerida, aberta ao turismo de natureza que cresce na Europa e no mundo, à procura de locais verdadeiramente preservados na sua integridade. Uma riqueza desperdiçada, nesse sentido. Sempre a Barrinha foi local de lazer e de recreação— e não apenas para as populações locais. A poluição que a contamina e a degradação do espaço envolvente tem dado a este local imagem de crise ecológica e tornado impraticáveis muitas das actividades que antes eram aí frequentes.
A biodiversidade é um factor decisivo— e a Barrinha é, no contexto de um litoral vandalizado e maltratado, um oásis de vida. Umas 270 espécies de aves foram assinaladas aí, invernantes, nidificantes ou de ocorrência rara. Entre elas, espécies com estatuto de conservação prioritária em termos europeus. Talvez por isso foi considerada a Barrinha como «Área Importante para as Aves» por um organismo internacional. Umas 80 espécies de plantas ocorrem também, incluindo um endemismo (só existe ali) a Jasionae lusitanica.
A Barrinha está integrada na Rede Natura 2000, e na Reserva Ecológica Nacional (REN), mas esses títulos, por bizarro que seja, não lhe asseguram nenhuma protecção concreta— os projectos vários de criação de uma área protegida (mais do que justificada) nunca passaram do papel.
Ameaças é que não lhe faltam: a poluição das águas, antes do mais e de há muito tempo. Cursos de água que confluem para a Barrinha são esgotos a céu aberto, com efeitos funestos para um ecossistema frágil. A ribeira de Rio Maior, em Paramos e a Vala da Maceda, em Esmoriz, debitam na Barrinha grandes quantidades de contaminação de origem doméstica e industrial.
Poluída a Barrinha, concentrados aí os dejectos, surge a tentativa de fechar a lagoa impedindo a poluição de chegar às praias circundantes— tem sido essa pelo menos a tentativa dos autarcas, aliás sem sucesso.(obras de abertura e fecho do canal em tempo de nidificação de aves não têm sido evitadas!) Mais valeria resolver o problema do saneamento na zona, coisa que a SIMRIA se está, parece, encarregando de fazer. Veremos os resultados.
Mas outros perigos se alevantam— persiste a destruição do já corroído cordão dunar, invadido por motas e jipes (e até por um estranho campo de golfe, ilegal), e confirma-se o cerco da desordem urbanística sem freio.
Pior do que isso— o alargamento da pista do aeródromo de Paramos, recentemente agravada (ao que dizem, obra de legalidade duvidosa) vem trazer novas perturbações dispensáveis e porventura desastrosas.
Com esforço meritório, associações e cidadãos que amam este local estão a promover iniciativas, visando chamar a atenção para a Barrinha e para a necessidade da sua protecção. Espero que tenham êxito e que se vá ainda a tempo de salvar, para as gerações vindouras, aquele cenário belo e a herança natural que é de todos.
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no jornal de notícias em 12/5/07)

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