sábado, abril 11, 2009

CIDADE E UTOPIA

Gravura da primeira edição da « Utopia»de Tomas More

“Uma cidade que integra e é emoldurada por amplos espaços verdes e, onde quer que viva ou se trabalhe, é seguro encontrar à porta um jardim, um parque ou mesmo uma floresta. Uma cidade que integra a maior área pedonal (…) onde há corredores para bicicletas em todo o lado e elas constituem o meio de transporte mais usado no quotidiano (…). Uma cidade ainda, onde tudo se pauta pela escala humana e o desenvolvimento imobiliário obedece a regras estritas, em particular no capítulo da construção em altura.”
Esta transcrição pertence a algum manifesto dos ambientalistas mais radicais do burgo? Será a descrição de uma dessas utopias, que fazedores de opinião rotulam de “sonho impossível” ou apenas um projecto para o Porto, por exemplo, bem fora da lógica do famoso “realismo” dos nossos urbanistas?
Não amigo leitor, o texto fala de uma cidade que existe mesmo – Hannover, na Alemanha, e faz parte de uma reportagem que saiu no suplemento “Fugas” do “Público”, aqui há tempos. Onde se podia ler ainda: “de resto, quando pensamos em verde num espaço citadino, o que usualmente temos em vista são parques e jardins. É o que não falta em Hannover, a diferença é que, para além disso, a maior parte da sua metade oriental é percorrida por uma floresta. Chama-se Eilenriede e a sua “entrada” oeste encontra-se a apenas dois quarteirões da gare ferroviária, no centro da cidade. Daí até ao jardim zoológico são apenas dois quilómetros, mas quem os percorrer a pé terá a insólita sensação de mergulhar num santuário natural, denso e bucólico, sem realmente sair da cidade”.
Apetece dizer que a utopia verde está realizada, de boa saúde e – como sabemos – não se confina à bela capital da Baixa Saxónia. Muitos outros exemplos mostram à saciedade que há vida para além das receitas que nos impingem, do modelo de cidade que alguns gostariam de fazer passar como “inevitável”.
De facto, a escassez de zonas verdes, o urbanismo mineralizante, o domínio do betão e do automóvel, a desumanização do quotidiano, o dinamismo citadino movido só pelo poder do dinheiro – é o panorama dominante entre nós, em nome do “progresso”.
Defender um parque das investidas imobiliárias, aqui é radicalismo fútil. Pois as cidades não têm de crescer? Pugnar por corredores ecológicos que liguem a periferia e o centro, amenizando o território e libertando as linhas água, não pode ser – que se trava o investimento!
Quem foi o antigo autarca do burgo que disse não querer “ovelhinhas a pastar na cidade”, para justificar o aniquilamento da reserva ecológica do Porto?
A Europa desmente-nos quando guindamos este “crescimento” à categoria de pensamento único. E os factos estão à vista: em prosperidade, em qualidade de vida, em atracção de turismo e de investimentos com interesse, nada ganhamos. A descaracterização é um elemento que empobrece a economia real, que ultrapassa, ao que tudo indica, o paradigma da construção civil como principal motor económico – encanto de tantos autarcas… e empreiteiros!
Por isso, os mitos que nos querem vender, não resistem a uma análise cuidada. Nem a umas viagens. As cidades mais progressivas da Europa são as que perseguem, e realizam, políticas urbanas de cuidado e atenção com a vida das pessoas, de harmonia urbana, o que implica secundarizar o automóvel, tornar as ruas acessíveis e amigáveis, combater o ruído e a contaminação do ar, equilibrar o que é novo com a memória urbana e a natureza.
A nossa infeliz tendência para a cópia cinge-se à imitação do que não presta – embora dê jeito a uns quantos senhores?
Bernardino Guimarães
(esta crónica foi publicada no JN em 18/4/ 2006. O Peregrino acha que mantém actualidade.)

Sem comentários:

Enviar um comentário