sexta-feira, maio 29, 2009

AS ÁRVORES

Não podemos saber como sente uma árvore. Mas podemos razoavelmente lembrar-nos de como nos sentimos ao vermos uma árvore. Estática, presa ao solo, enraizada no seu bocado de terra, embora crescendo verticalmente em direcção às alturas, a árvore corporiza a ideia da fixação, da solidez, da fidelidade ao lugar.
Mas essa imobilidade tem o poder de transformar tudo à sua volta. Água do solo é bombeada pelas raízes e vai incorporar-se na massa vegetal, que capta do alto a luz com a qual, através da fotossíntese, se recria diariamente. A evapotraspiração partilha humidade com o meio envolvente. Uma árvore, de certa maneira, de mais do que uma maneira, une terra e céu, energia e matéria, litosfera e atmosfera, água, luz e ar— num mesmo processo biológico. A copa de uma árvore muda a paisagem, o clima local, o grau de luminosidade (e de sombra) de um lugar.
Aos nossos olhos, a árvore aprisionada e imóvel volve-se em agente de mudança que tudo mexe e move, que tudo altera, que tudo propicia. Paradoxo? Seja como for, esta «magia» é conhecida dos homens desde sempre. E nem prescindimos delas nas cidades, o nosso «habitat» por excelência. Árvores alinhadas rigidamente ao longo de alamedas e avenidas. Árvores em ruas, em praças, em jardins, até mesmo nos interstícios das vias rápidas que cercam a cidade.
As que vicejam nos escassos parques e jardins são mais felizes, podendo entregar-se àquela perenidade suave que as caracteriza e que parece rir-se da passagem do tempo.
Tratamos mal, muito mal, as árvores urbanas, tanto quanto necessitamos delas. Fixadas no meio do concreto, as raízes confinadas, em caldeiras exíguas e rodeadas de cimento, feridas por obras na via pública e atravessadas por toda a sorte de infra-estruturas, as árvores resistem. Resistem às podas assassinas, ao vandalismo, à opressão urbana do asfalto e do betão. O pior é que, se quase todos assumem, nas cidades, a falta de espaços verdes e de arborização condigna e ninguém parece negar a utilidade e essencialidade da árvore para o bem-estar dos citadinos— a verdade é que o comportamento quotidiano de muitos desmente esse consenso. As câmaras municipais são regularmente inundadas de cartas e mails pedindo podas, solicitando cortes, reclamando arboricídios, exigindo sevícias. Tantas vezes por motivos fúteis— a folhinha que suja o automóvel, o raminho que caiu na soleira do prédio, coisas assim.
A fixidez da árvore no chão torna-se assim numa armadilha mortal. Não há fuga possível. E o pouco que há de Natureza na cidade desvanece-se. Todos perdemos com isso.
Bernardino Guimarães
Fotos de Raízes.e.Asas
(Crónica radiofónica na Antena 1, emitida em 28/5/09)

1 comentário:

  1. Uma árvore, de certa maneira, de mais do que uma maneira, une terra e céu, energia e matéria, litosfera e atmosfera, água, luz e ar— num mesmo processo biológico.

    O mesmo a que o Homem, nunca deve esquecer que pertence!

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