terça-feira, maio 19, 2009

CLIMA ALTERADO

1) O último estudo divulgado pelo Painel das Alterações Climáticas das Nações Unidas, em Paris, já não deixa margem para dúvidas. De certo modo, encerrou-se uma fase de interrogação e até de polémicas. A comunidade científica assume uma conclusão séria e definida, de contornos nítidos— embora pouco agradáveis. Mas agora sabemos que a temperatura média do Globo está a aumentar, e as previsões iniciais foram mesmo revistas em alta. Sabemos também que nesse aquecimento mundial joga papel preponderante a acção humana, as emissões de gases como o dióxido de carbono, resultante em primeiro lugar da queima de combustíveis fósseis — carvão, petróleo, gás natural — coadjuvada pelos incêndios florestais e vários outros fenómenos.
Assim, alcança-se facilmente a solução possível — reduzir essas emissões, e fazê-lo o mais rapidamente possível. Seremos capazes disso? Sem dúvida que sim, se o quisermos, mesmo com prejuízo para as nossas rotinas mentais e rompendo com as ortodoxias económicas e políticas que nos querem convencer a nada mudar.
2) As aves migradoras confundidas e com rotas alteradas, as correntes oceânicas desestabilizadas, as plantas que tentam modificar os seus tempos de floração, tudo isso são sinais. A Natureza procura adaptar-se, fugir ao vazio. Os ciclones e furacões mais frequentes e inesperados — que os cientistas só agora relacionaram com as alterações climáticas, sobretudo através do aumento da temperatura dos mares, fazem parte de um cenário em mudança, sob o nosso olhar espantado. Mas é o nosso poder sobre a Terra que verdadeiramente causa perplexidade — em vez de júbilo, como até agora acontecia.
Igualmente espantosa é a quase total ausência de reflexão e acção sobre a necessária adaptação da sociedade às mudanças em curso — e mais ainda, às mudanças anunciadas com a chancela da Ciência. Fazem-se cenários, para as várias eventualidades, leia-se para os diversos níveis de aumento de temperatura possível. Em Portugal existe já o famoso «SIAM», documento que trata disso mesmo. Não parece haver interesse, ao nível regional, para prever e prevenir os efeitos possíveis do «caos climático» na economia, nos ecossistemas, no território.
3) Tomemos o Norte e o Grande Porto como exemplo. Haverá certamente menos disponibilidade de água nas próximas décadas — o que é que isso sugere aos responsáveis políticos? O nível do mar subirá — com o litoral já agora em erosão, que se fará em termos de reordenar a gestão costeira, eliminando as asneiras que se cometeram e cometem na ocupação da costa? Mais calor e estio prolongado, maior possibilidade de incêndios florestais. Mantém-se a situação actual? Ou cria-se floresta que possa resistir e ser ecológica e economicamente viável?
O mesmo para o turismo, a agricultura, a saúde, as políticas urbanísticas, o uso da energia, o conforto térmico, a qualidade do ar que só pode agravar-se num cenário de aquecimento. São apenas exemplos ao correr da pena.
4) Face ao que se prevê, é preciso combater as causas, evitando os piores cenários de futuro.
E exige-se que desde já se procurem medidas de adaptação, inteligentes e flexíveis, que nos ajudem a minimizar e enfrentar problemas. Não adianta esconder a cabeça na areia. O Ambiente deixou de ser um tema lateral e passou a ser condição de sobrevivência. O nosso tempo, obsessivamente dominado pela economia e seus gurus indecisos, é ainda assim um tempo de esperança — até porque mudar afigura-se inevitável, mesmo se o objectivo é manter viável o sistema económico.
Convencer disso os nossos pobres poderes — será talvez a maior das dificuldades!
Bernardino Guimarães
(Tem quase dois anos, esta cronicazita que saiu no JN de 29/5/2007. O Peregrino crê que mantém alguma actualidade)

1 comentário:

  1. O pior é isso mesmo, estamos sempre a fazer remedeios e não obras a pensar no equilíbrio futuro.

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