segunda-feira, junho 29, 2009

AS ROCHAS DA FOZ

Que andamos todos distraídos, muitas vezes, sem olhos e tempo para o que é belo e significativo, já se sabia. Ninguém tem culpa, é assim. Passamos e não descobrimos o que nos rodeia, adivinhamos sem conhecer, ignoramos porque nada mudou – esteve sempre ali – quando tudo nos atrai só para a novidade e o insólito. Mas o mistério e o fascínio está por perto, no mesmo sítio que os nossos passos já percorrem de memória e ao qual não atribuímos interesse digno de menção.
Pode isto dizer-se das velhas árvores que vemos desde sempre e que oscilam levemente ao sabor do vento, década após década, levando a sua vida, vegetal e silenciosa, sem que lhes prestemos atenção nenhuma – excepto, talvez, quando a decrepitude (ou a poda municipal) faz ocorrer o súbito vazio que altera a paisagem.
Como também sucede com as velhas casas, o edificado antigo. O olhar não capta a sua degradação lenta, o desertar das gentes ou o drama de quem lá vive. Uma cidade é sempre cruzamento de olhares – mas estes podem ser condicionados pelo hábito e pela rotina. Por isso é que se diz ser indispensável “treinar” o olhar – para que o ambiente urbano que sempre conhecemos possa revelar-nos outras coisas, outras rotas, outras histórias, capazes de nos deslumbrar como se estivéssemos a ver pela primeira vez.
Vem isto a propósito da peça no JN, assinada por Carla Sofia Luz, que nos mostrou outra realidade, respeitante àquelas rochas belas e imponentes que fazem parte da imagem da Foz. Sim, aqueles rochedos torturados pelo mar, enfrentando o mar em permanência como sentinelas minerais, são afinal únicos, e a sua antiguidade pode atingir, os 580 milhões de anos! Se pensarmos que os dinossauros desapareceram do nosso planeta há cerca de 65 milhões de anos, teremos a noção da fantástica aventura que temos presente, vencendo a barreira do tempo, ali, ente, a praia dos Ingleses e o Castelo do Queijo! Que podem ensinar-nos aqueles portentosos e desgastados rochedos, com suas formas variadas e espantosas? Muito, dizem os peritos, que chamam a atenção para a necessidade de defender esse património natural, as “gnaisses” da Foz, aula ao ar livre dos que estudam a Geologia.
Claro que tudo isto, e muito mais, é há muito do conhecimento da comunidade científica, nacional e internacional. Mas não da opinião pública, o que reforça o valor da informação e parece estar agora a motivar as autoridades para a protecção e divulgação daquelas pedras.
O « complexo metamórfico da foz do douro» passa agora a ter protecção municipal—depois de tantas agressões que sofreu, em nome da « requalificação urbana» e propõe-se aos visitantes a atenção ao « Passeio Geológico da Foz» devidamente assinalado com material explicativo e didáctico. Agora que já ninguém pode invocar e ignorância sobre a existência e valor dos rochedos litorais, contemporâneos da formação do continente, a Foz ganha mais um ponto de atracção e de atenção. A redescoberta dos mares e das suas riquezas necessita de um impulso criativo. Recentemente falou-se da recuperação do velhinho Aquário da Foz. Terá a ideia seguimento? E quando é que se pensa – aí a tutela é da APDL-- em moderar os ímpetos dos empreendedores turísticos, donos de esplanada e quejandos, que vão ocupando vorazmente todo o espaço das praias?
Para nem falar de outras voracidades perniciosas – a das imobiliárias que descaracterizaram a Foz, à beira-mar e mais para dentro das terras, aniquilando pinhais, chalés, e quintas, e deitando ainda o olho para o pouco que resta. A classificação da Foz Velha como zona de património cultural/arquitectónico pode ser o começo de uma esperança, sobretudo se houver efectiva vontade de contrariar interesses poderosos de betão e influência!
Valha-nos, face a tanta asneira e crime urbanístico, a perenidade e a grandeza de novo descoberta dos antiquíssimos rochedos, a lembrar-nos da importância que às vezes consideramos banal!
Bernardino Guimarães
(Crónica que viu a luz do dia, ou melhor a edição pelo JN, em 8/3/05)

Sem comentários:

Enviar um comentário