Em 1872, um acontecimento marcava efeméride perene na história da Conservação da Natureza — nos Estados Unidos da América e no mundo: a criação do Parque Nacional de Yelowstone, o primeiro e até hoje um dos mais notáveis.
É verdade que já antes, em 1864 mais precisamente, tinha sido classificado como «reserva de recreio» o Vale de Yosemite, mas ainda sem os termos e estatuto de um Parque Nacional.
Yellowstone tinha impressionado desde o início os primeiros americanos de origem europeia que o conheceram. Este local extraordinário cativou particularmente o explorador e caçador de peles John Colter, membro da expedição Lewis-e-Clark ao Noroeste americano, até aí desconhecido, em 1804-1806. Colter, de regresso à «civilização» falou das maravilhas que tinha visto: das sequóias aos bisontes, os géisers e charcos de lama borbulhantes, sinais de actividade vulcânica. As suas descrições foram ao que parece tomadas como fantasias. Mas o tempo havia de convencer os americanos da beleza e valor de Yellowstone, destinado a inaugurar — numa perspectiva ainda conservacionista pré-ecológica — o rol imenso das áreas protegidas a nível global.
O Parque Nacional abrange agora cerca de 9 000km2, no sul da grande cadeia das Montanhas Rochosas, a sul das Grandes Cataratas, ocupando essencialmente território do Estado de Wyoming, mas também dos vizinhos Montana — a Norte — e Idaho — a Oeste.
Trata-se de um sítio invulgar a mais do que um título. Zona vulcânica, forjada por três ciclos de gigantescas erupções vulcânicas— respectivamente há 2,2 milhões, 1,2 milhões e 630 000 anos, o Parque é uma aula viva das actividades vulcânicas ao longo de 55 milhões de anos e possui por isso impressionantes manifestações geotérmicas. Lá existem 250 géiseres activos e 10 000 formações térmicas, além do lago de Yelowstone, o maior dos EUA a uma altitude de 2,375 m e com profundidade de 119 m. Em volta deste cenário fascinante e temível, crescem florestas enormes e densas, sobretudo de coníferas como o pinheiros-de-Murray e outras espécies, ocupando 80% da área do Parque. Mais de mil espécies de plantas crescem aqui — muitas delas únicas, mas o Parque notabilizou-se pela abundância e variedade de fauna. O visitante pode encontrar, em estado selvagem quase todas as espécies de animais, que antes povoavam as florestas e pradarias da América do Norte, mas cujo habitat encolheu tragicamente até se confinar a este — e a poucos mais –- santuários naturais.
Os carismáticos bisontes americanos encontraram aqui o seu derradeiro refúgio, a salvo do extermínio. O único antílope americano, a antilocapra, convive aqui com carneiros e cabras selvagens das Rochosas, várias espécies de veados, alces e toda a galeria de predadores americanos — urso pardo — o célebre grizzli — urso preto, puma, duas espécies de linces, coiotes e raposas, lontras e martas, os pacíficos castores e o raríssimo toirão-de-patas-negras. Uma formidável galeria de aves, talvez única nos EUA completa o quadro deste «reino maravilhoso» --a visão da águia-de-cabeça-branca (símbolo nacional mas que esteve à beira da extinção) do falcão-peregrino, dos perus-selvagens e dos galos do bosque não é aqui acontecimento raro. Os cisnes selvagens e os grous-americanos, sem esquecer a odisseia viajante dos gansos do Canadá oferecem momentos de raro encanto aos amadores das aves.
Em Yelowstone trabalha-se para recuperar a Natureza, reabilitando o que o Homem danificou e empobreceu. O mítico e perseguido lobo, ausente do Parque desde 1930, vítima dos caçadores, suas armas e venenos, foi reintroduzido neste imenso território a partir de 1995— um projecto coroado de êxito, porque as alcateias se restabeleceram neste oásis de bosques fundos e de nascentes termais agitadas, onde abundam as suas presas naturais e a caça é rigorosamente proibida. Em contrapartida, foi em 1988 que ocorreu o maior incêndio nos tempos recentes em Yellowstone— boa parte da área florestal foi devastada, estando hoje em plena recuperação.
Também neste território se fazem sentir os problemas do excesso de pressão humana—é dos locais mais visitados nos EUA—causadores de desgaste dos ecossistemas. Procura-se agora gerir com cuidado essa enorme afluência de turistas.
Mesmo considerando a sua grande extensão, Yellowstone é demasiado pequeno para a manutenção da biodiversidade que alberga. Um urso que passe as fronteiras do Parque depara-se com auto-estradas e fazendas de criação de gado—e com sérios problemas. Observando as mais modernas práticas de conservação, está a ser estudada a criação de «corredores verdes» que liguem o Parque Nacional a outras áreas naturais ainda existentes, permitindo a circulação e intercâmbio genético da fauna e da flora. Mas isso não é fácil, dada a enorme artificialização do território envolvente.
Património da Humanidade desde 1978, o Parque Nacional de Yellowstone continua sendo um exemplo de que é possível salvar os tesouros naturais de que somos depositários para as gerações futuras. A sorte fê-lo ser o primeiro, numa altura em que mal se falava de ecologia e predominavam os critérios estéticos e de recreio para a conservação da Natureza.
Hoje sabemos mais — salvaguardar a Natureza não é só uma questão estética, nem sequer apenas ética — é também e cada vez mais uma questão de sobrevivência para nós humanos, no único planeta onde sabemos que a vida é possível. A Terra, nossa casa comum!
Bernardino Guimarães
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