terça-feira, junho 23, 2009

OCEANO

A abertura do Sea Life no Porto, equipamento voltado para a descoberta dos oceanos e da vida marinha, é pelo menos uma oportunidade de viragem; quer dizer, pode ajudar a opinião pública a lembrar-se do mar. Já não seria pequena coisa!
Muitos dizem que Portugal foi uma grande potência marítima para ser hoje um pequeno país costeiro. Entre anedota e fria realidade, admite-se a simplificação. Só que a presença do Oceano nunca poderá deixar de nos tocar, de algum modo, influenciar e porventura motivar. Despertando a nossa veia maruja? De qualquer modo, trata-se de uma chamada mundial. Embora alheados, quase todos, dessa realidade, cada vez dependemos mais das riquezas que os oceanos guardam. Também nunca tivemos disponível tanta informação a revelar-nos até que ponto a vida marinha se encontra empobrecida e ameaçada.
Os cientistas são hoje unânimes num ponto: os últimos dois séculos foram trágicos no que respeita à devastação dos recursos naturais, e no mar ainda mais gravemente. A pesca intensiva reduziu progressivamente os chamados «stocks» de pesca e as populações da fauna marinha, peixes e outras incontáveis criaturas, muitas das quais nem sequer conhecemos ainda, recuaram até níveis impensáveis, próximos do desaparecimento.
Um estudo recente deu-nos conta de que não apenas o número de peixes diminuiu drasticamente, mas mesmo as espécies mais comuns e numerosas—e comercialmente relevantes—estão a ser levadas ao limiar da extinção.
Ficou certamente prejudicada a diversidade de espécies— e até o tamanho médio dos peixes, como por exemplo a pescada, encolheu visivelmente nos últimos anos, em função de uma pesca industrial impensada e que captura estes animais cada vez mais jovens. As grandes frotas pesqueiras continuam a sua faina devastadora, predadora até à medula, com barcos/fábricas e imensas redes de arrasto e de profundidade que revolvem o mar até ao fundo e nada deixam incólume.
Acresce o efeito conjugado da poluição marítima. Grande parte dela tem origem em terra e outra parte provém de lavagens criminosas de tanques no mar, derrames de óleos e outras substâncias tóxicas, propositados ou acidentais. Os efeitos das alterações climáticas em curso nos oceanos, preocupam os cientistas. Se hoje sabemos que a regulação do clima é feita em boa parte por acção dos oceanos, igualmente se começa a desvendar a dinâmica básica das correntes marítimas, que podem ser alteradas pelo aquecimento global, com consequências imprevisíveis. Mudanças invisíveis que ameaçam subverter todo o equilíbrio ecológico global. E esse processo já faz o seu caminho: basta ver na nossa costa o aparecimento de peixes e outras criaturas mais próprias de mares tropicais, enquanto começam a rarear espécies tradicionais das nossos latitudes, talvez «empurradas» para mares mais frios devidos ao aumento sensível das temperaturas médias no que era o seu habitat.
A acidificação dos mares como consequência da excessiva absorção pela cadeia trófica marinha de dióxido de carbono presente na atmosfera, é outra fonte de angústia— e pode acarretar desastres ecológicos de proporções mundiais.
A verdade é que os oceanos foram transformados em vazadouros de lixo, ou tratados como se fossem «poços sem fundo» de recursos naturais, à mercê da rapina mais insensata…e insustentável.
Precisa-se de outra atitude. E de mais e melhor ciência sobre os oceanos. E de novo espírito de descoberta, desta vez voltado para o conhecimento, para a ecologia das grandes áreas marinhas cuja vida em boa parte não sabemos e menos ainda das interacções e delicadas dinâmicas entre a biodiversidade e o seu meio: com a nossa imensa área marinha, eia um sedutor desafio para Portugal. Queremos mesmo apostar na construção de novos e inteligentes formas de exploração sustentável e de recuperação ecológica dos mares? Dar novos mundos ao mundo, alargar a fronteira do saber, criar modelos para criar riqueza respeitando o mar e garantindo o futuro?
Se o quisermos, então mãos à obra, que o tempo urge e a tarefa de redescobrir o mar espera por nós!
Bernardino Guimarães
(Crónica radiofónica emitida a 18/6/09 na RDP-Antena 1)

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