quinta-feira, julho 30, 2009

GERÊS

A vaga de criação de Parques Nacionais no mundo, começa com o Parque Nacional de Yelowstone, no Wyoming, EUA—em 1872.
Claro que já desde a Idade Média se pretendeu preservar zonas onde existiam espécies selvagens, como « reservas de caça», mas a ideia de Parque Nacional era substancialmente diferente—o objectivo central era a conservação de conjuntos paisagísticos únicos, ameaçados pelo avanço inexorável da civilização industrial. No caso pioneiro do Yelowstone, era o cenário grandioso das Montanhas Rochosas, os sítios vulcânicos, a pradaria e as florestas imensas e também a presença dos últimos bisontes americanos, por exemplo, na altura quase exterminados.
A noção de ecologia e de ecossistemas integrados e interdependentes não existia fora dos meios científicos, por isso a criação de Parques Nacionais destinava-se sobretudo a preservar paisagens belas, cenografias naturais agradáveis à vista e importantes para o registo científico. Hoje a noção de «áreas protegidas» é diversa, com maior atenção à biodiversidade e menos apenas às espécies emblemáticas ou «simpáticas» e às paisagens singulares.
Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, um Parque Nacional « é um território relativamente extenso que apresenta um ou mais ecossistemas pouco ou nada transformados pela exploração e ocupação humanas, oferecendo um especial interesse do ponto de vista científico, educativo e recreativo; no qual a mais alta autoridade do país tomou medidas para proteger os valores nele contidos e que justificaram a sua criação; onde as visitas são autorizadas, sob certas condições, com fins educativos, culturais e recreativos.»
Seja como for, os velhos Parques Nacionais permitiram que o grande parte do legado natural chegasse até nós…e a sua gestão, hoje diferente, integra as aquisições da ecologia aplicada e da maior consciência social quanto à biodiversidade. Os Parques Nacionais configuram o maior grau de protecção conferido por um Estado e continuam a ser essenciais a uma estratégia eficaz de conservação da Natureza.

PORTUGAL

Entre nós o projecto de criação de um Parque Nacional, o da Peneda Gerês, deve muito a uma figura, o Eng. Lagrifa Mendes, homem que pugnou junto das autoridades pela protecção daquela área.
Finalmente, em 1971 foi constituído o Parque Nacional da Peneda-Gerês--pelo decreto-lei n187/71 de 8 de Maio, abrangendo uma área montanhosa do Noroeste português, com quase 72 000 hectares de superfície, que estende pelos distritos de Viana do Castelo— concelhos de Melgaço, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca---de Braga—Terras do Bouro—e de Vila Real—Montalegre.
Desde o planalto de Castro Laboreiro, a norte, até ao da Mourela, a leste, inclui grande parte das serras da Peneda, do Soajo, da Amarela e do Gerês, com alguns dos pontos mais altos o continente português: Giestoso (1337 m) Outeiro Alvo (1314 m) Pedrada (1416 m) Louriça (1355 m) Borrageiro (1433 m) Nevosa ( 1545 m) Cornos da Fonte Fria ( 1456 m).
Além dos numerosos pontos de interesse históricos e arqueológicos—produto de uma ocupação humana com 5000 anos, que também moldou a paisagem, o PN alberga valores naturais de grande relevo, flora abundante que reflecte a variedade dos habitat e de condições climáticas existentes, com espécies que variam desde as das zonas mediterrânicas e subtropicais até às das zonas euro-siberianas e alpinas.
A fauna, apesar da extinção do urso-- e talvez do lince—e da cabra-do-gerês, conta ainda com o lobo, o javali, o corço, a águia-real, a lontra, a gralha-de-bico-vermelho e o falcão-peregrino, entre muitas outras espécies ameaçadas.
Algumas zonas do Parque são vestígios de floresta original e conservam, apesar das agressões, bosques de carvalhos, azevinhos, vidoeiros e pinheiros-silvestres. Estas áreas, onde avultam a mata de Albergaria e a do Ramiscal— há pouco vítima de um enorme incêndio— deveriam ser preservadas a todo o custo, sob pena de descaracterização do Parque Nacional. Situação Actual

Tratando-se do nosso último Parque Nacional, poderia pensar-se que são no seu território impostas normas especiais de conservação e que se desenvolve um trabalho particularmente cuidado de protecção e restauro dos valores naturais.
Mas a verdade não é essa.
Das críticas que têm sido dirigidas nos últimos anos à gestão do Parque— e nomeadamente por associações conservacionistas como o FAPAS, salientam-se as seguintes:
--ausência de controlo da actividade humana. Se é certo que é necessário atender ao diálogo com as populações locais, também é certo que um Parque Nacional, ao menos nas zonas-chave em termos de conservação, não pode deixar de impor regras estritas, quanto à caça, à realização de queimadas, ao pastoreio intensivo e manifestamente exagerado, à circulação caótica de veículos, ao corte de vegetação, etc. Nada disso tem sido feito e o panorama chega ao ponto de— no dizer de alguns ambientalistas—não se dar pela existência concreta do Parque Nacional.
--inexistência de medidas de reabilitação da Natureza. Não existe nenhum plano operativo para reintrodução de espécies extintas no Parque, apesar de essa ser prática corrente em outros espaços análogos, por exemplo em Espanha. O ICN e o Parque falam muito do reaparecimento da cabra-brava e do esquilo-vermelho, «esquecendo» que ambas as espécies regressaram espontaneamente, no caso do esquilo, e através da fuga de exemplares em cativeiro no da cabra e ambos vindos da vizinha Galiza.
A perdiz-cinzenta, o galo-da-serra ou o grifo deviam contar com programas de reintrodução no meio natural do PN, já por várias vezes propostas.
Pelo contrário, espécies ainda existentes estão a chegar ao ponto da extinção— é o caso da águia-real que só contava com um casal, do qual morreu um dos componentes e aguarda o fim inexorável—isto sem que nada se faça para o evitar!
--Não existem planos para reflorestação correcta de muitas áreas do Parque com as espécies adequadas.

O fogo que devastou 4000 hectares e praticamente consumiu a mata do Ramiscal—património único no país—veio levantar polémica também quanto aos meios existentes de prevenção e combate, mas, de um modo mais amplo, sobre a forma de gestão do PN e do seu património natural.
Um Parque deve ou não implicar a prioridade da conservação sobre outros interesses? O fogo deveu-se à falta de uma estratégia de vigilância, patrulhamento e resguardo da mata ou— como certos autarcas insinuaram— foi o excesso de protecção que, ao impedir a construção de estradas e aceiros, dificultou o combate às chamas? (esquecendo em todo o caso que os aceiros e estradas facilitam o acesso de pessoas e carros ao interior dos santuários naturais, potenciando riscos de fogo…)
Indo mais fundo? O PN tem os meios financeiros e humanos necessários ao cumprimento da sua missão e estatuto?
Ou o Estado quer ter um Parque Nacional mas não quer assumir os seus custos nem o preço político de medidas adequadas de protecção? (bastaria ver a definição de PN da UICN, acima transcrita, e que Portugal subscreve, para notarmos que algo está errado na Peneda-Gerês que conhecemos!)
O que se passou no Ramiscal? O que se pode e quer fazer para reconstituir a mata a longo prazo, para que não se perca tudo? Que fazer depois do desastre?
O que não adianta é dourar a situação e esconder ou minimizar a dimensão da perda devastadora que teve a biodiversidade e a Natureza em Portugal!
Bernardino Guimarães

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