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Essa História está por fazer— e deve ser feita. Ao longo de décadas, diversas personalidades da mais elevada qualificação insistiram em temas tão decisivos como ignorados; para mal de todos nós, ainda hoje as suas propostas são actuais, até no sentido de que os seus avisos continuam a ser pouco escutados. Vale a pena lembrar essas personalidades e ideias.
E uma história das ideias ecológicas e ambientalistas portuguesas ficaria sempre gravemente amputada se não referisse o nome e a obra de Manuel Gomes Guerreiro, investigador, académico e cidadão interveniente nas causas em que acreditava.
Gomes Guerreiro nasceu em 20 de Janeiro de 1919, em Querença, freguesia algarvia do concelho de Loulé, situada entre a Serra e o Barrocal, com marcadas características mediterrâneas.
Fez o Liceu em Faro e ingressou depois no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, onde se licenciou em Ciências Florestais.
Trabalhou 12 anos na Estação Florestal do Sobreiro, onde colaborou de perto com o seu mestre João Vieira Natividade.
A sua actividade profissional iniciou-se na área da genética, com passagem pela Universidade de Coimbra— aí se dedicou a estudos sobre os fenómenos erosivos do rio Mondego— mas foram as Ciências da Ecologia que o cativaram, marcando para sempre a sua notável acção académica.
Viajou muito, realizando estudos nas ilhas da Macaronésia— sobretudo Cabo Verde— e conheceu todo o país, aprofundando conhecimentos sobre as características bioclimáticas de cada região.
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A sua carreira académica é notável— como professor e como dinamizador de novas instituições, tendo sido o presidente da comissão instaladora e primeiro reitor da Universidade do Algarve.
Foi autor cerca de 150 títulos de investigação científica, divulgação e extensão; proferiu inúmeras e memoráveis conferências.
Homem afável, visionário, mestre considerado, cidadão do mundo com fundas raízes culturais, erudito interveniente, empenhado na cidadania, Manuel Gomes Guerreiro dedicou-se a chamar a atenção, particularmente nos últimos anos, para a realidade ecológica e climática mediterrânea do território português, ou da maior parte dele, pugnando convictamente pelo afastamento definitivo, e com fundamentos científicos, da «rasoira tecnológica que nos vem dos países do Norte da Europa, e que no sector primário aceitamos sem espírito crítico». Insistiu na necessidade de um modelo agrícola e florestal adaptado às nossas realidades ecológicas, que não são as mesmas de outros países europeus que dominam os paradigmas vigentes nas políticas agrícolas e rurais.
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Alguém lembrou que há décadas vinha defendendo para Portugal o desenvolvimento das energias renováveis. Percursor como sempre, em 1979 proferiu uma conferência em albufeira como o título: «o potencial da energia solar».
Manuel Gomes Guerreiro faleceu no dia 10 de Abril de 2000.
O país ficou a dever-lhe muito. Os que se preocupam com o futuro da Terra não esquecerão o seu fecundo legado.
Bernardino Guimarães
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