terça-feira, julho 07, 2009

MODERNIZAÇÃO E ÁRVORES

Um dos vícios mais perniciosos à liberdade de opinião e de expressão— e portanto à democracia— é a ideia de que existem coisas, na nossa vida pública, que não podem ser contestadas. Sob pena de banimento da «doce estado» do consenso social. Ela há assuntos que não devem, quais vacas sagradas, ser postos em causa nos seus fundamentos. Quando muito, «permitem-se» algumas objecções de pormenor, desde que «sensatas» e «moderadas», alguns reparos, «construtivos» e que nunca colidam com o essencial. E o essencial, neste caso que aqui trago, pode bem ser o plano de modernização das escolas e seu formato em termos de ocupação e organização do espaço.
Como verdadeira metáfora da mais abrangente «modernização do país», projecto tão moderno que desde o século XIX nos persegue e inspira as classes dirigentes portuguesas— com os resultados que estão à vista.
Lamento, mas não posso deixar de ser contra a «modernização das escolas» --ou melhor contra a forma que assumiu— e que no Porto atravessou já os perímetros das Escolas Carolina Michaelis, Aurélia de Sousa e agora Filipa de Vilhena. E contesto tal «modernização» em nome das árvores. Claro que o próprio conceito de espaço escolar é digno de interrogação aprofundada, já que a extinção do que era antes o «recreio» e a própria concentração de edifícios e estruturas de apoio em escolas cujo número real de alunos não cessa de diminuir, levanta sérias dúvidas. Deixo essa tarefa para outros— são as árvores que me preocupam nesta ocasião.
Árvores, precisamente, muitas dezenas delas, cortinas arbóreas extensas, antigas e belas foram e serão sacrificadas pelo aumento brutal da volumetria
das construções, pela subtracção do espaço livre nos recintos escolares. As árvores são, eu sei, para certos projectistas e decisores, mero adorno, formalidade, pormenor, espaço sobrante, coisas dispensáveis. Outras prioridades se alevantam. Serão abatidas, e todo o cenário mudará. Não apenas o cenário diário que envolve a vida de centenas de alunos, de professores e outros funcionários, mas a moldura vegetal que fazia parte da cidade e era elemento urbano de estética, de saúde, de cor, de atmosfera respirável, de vida— desaparecerá para sempre. Árvores com muitas dezenas de anos, fazendo sombra…aos tecnocratas das «modernizações» avulsas, aos arautos do betão como instrumento da melhoria do sistema educativo (como se não soubéssemos todos que a Educação sofre de outras carências e entorses que são de fundo, que ninguém parece querer ultrapassar e não se medem em cubicagem de cimento!)
O Porto fica mais pobre sem as árvores das suas escolas. E sendo assunto reservado feudalmente ao Estado central e à sua Parque Escolar SA— nem a autarquia teve nisto uma palavra a dizer!
Nem todos quererão, é certo e sabido, mexer com tal «melhoramento» apesar de lamentarem a perda de tantas árvores. Tanto pior, já nos acostumámos ao situacionismo e à acomodação geral.
Afirmo um protesto que não salvará as árvores condenadas, que irão cair, mas ao menos sem um silêncio total a abafar o eco do arboricídio frio e afinal, desnecessário.
Bernardino Guimarães
Fotos de Raízes.e.Asas

(Crónica radiofónica na Antena 1, emitida em 2/7/09)

Sem comentários:

Enviar um comentário