Agora que o Verão abriu as suas portas largas e amenas, celebrado entre nós na noite mágica de S.João e do solstício, desperta em muitos a vontade de uma pausa, de quebrar a rotina dos dias, mudando de paragem e de ritmo. Mesmo quando tal desejo se fica por isso mesmo, o apelo fica. E a estação do ano a que alguns chamam «siliy season» (estação parva!) inicia-se com o rol vasto das suas promessas.
É curioso que, tão distantes que estamos da Natureza, nós urbanos, saturados de tecnologia e abstracção, desorientados apesar dos GPS, sedentos de belo mesmo com o pulsar constante do mundo das imagens, pensemos tanto no contacto com o que é natural— talvez inconscientemente, é na Natureza que queremos realizar os nossos sonhos mais fundos, a procura de silêncio, de contemplação, de fuga, de reflexão, de ócio, é na Natureza reencontrada que vemos a cura do nosso cansaço indefinível. Sejam as praias onde o mar se mostra, nos campos onde buscamos ar puro e vistas largas, como se perseguíssemos algum distante paraíso perdido. São da Natureza os nossos cenários ideais, o repouso da espuma dos dias agitados e comprimidos.
E no entanto; quando se diz: é preciso preservar a Natureza, deixar espaço para o litoral intocado, para as espécies que habitam o mundo rural e silvestre, as paisagens que dão resposta ao olhar ansioso dos urbanos— quando se toca nesse ponto, já alguns agitam a suspeição de estarem perante uma expressão de «fundamentalismo» ou de ecologia radical entravando (pecado dos pecados!) a «marcha do progresso.»
Estranha contradição! Mas porque não haveríamos de considerar como ecologistas e amantes da Natureza os milhares, os milhões de cidadãos das urbes, apressados na fuga às cidades, acotovelados nas estradas entre feriados e fins-de-semana? Talvez evitemos designá-los assim, porque esses muitos usam o automóvel poluente para cumprir o seu êxodo fugaz, porque as nuvens de contaminantes e as marcas dos jeeps seguem por toda a parte os seus percursos, porque…mas não será real o anseio de tanta gente, de mudar de agulha e de relógio, de contactar os elementos, a terra, o mar, o rio, aquilo que é mais puro e livre e limpo?
A Natureza está mais presente do que pensamos, na nossa cultura, mesmo na maneira de viver rápida e artificializada. É incontável a música que se inspira no canto das aves e copia, transformando-a, a sua melodia primordial. Abundantíssima é a literatura cujo tema se prende com o animal selvagem, a paisagem bravia ou a árvore. Mesmo a tecnologia mais avançada vai buscar estro criativo e matéria de constante descoberta aos prodígios naturais— o voo dos pássaros, a resistência das conchas, o milagre dos genes selvagens que abastecem a ciência, a flexibilidade das teias de aranha.
Não admira que cansados e fartos, nos lembremos da Natureza de quando em vez, mesmo se as corridas desordenadas e sôfregas sobre o que resta de espaços naturais concorrem para a destruição dos mesmos. Mas essa fuga precisa de condições para se realizar.
A contínua degradação da Natureza, a sua destruição célere ou insidiosa e gradual, ameaça de extinção e esgotamento a fonte dos nossos sonhos e devaneios, os lugares para as pausas e libertações— e talvez até a possibilidade de uma existência humana com algum sentido.
Bernardino Guimarães
Fotos de Raízes.e.Asas
(Crónica radiofónica na Antena 1, emitida em 25/6/09)
terça-feira, julho 07, 2009
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