quarta-feira, julho 22, 2009

PALÁCIO DE CRISTAL

Quem gosta de jardins e de árvores e preza a integridade dos espaços verdes, vive sempre sobressaltado; e não se livra de preocupações e sustos, porque sobre esses recantos privilegiados paira constantemente alguma ameaça, alguma dúvida, algum projecto de «melhoramento».
O anúncio de requalificação do Pavilhão Rosa Mota/Palácio de Cristal trouxe consigo mais desses desgostos, mesmo se a intenção em si mesma é até de saudar; mas quando se olha para o que está projectado e se situa o que são esboços em papel no terreno preciso que se pretende transformar, verifica-se claramente que há conflito, e não pequeno, entre o previsto edifício novo, anexo ao Pavilhão, e o espaço verde que há cinco décadas lá está.
É que a remodelação do Palácio surge acompanhada da construção de um complexo que ocupará partes do actual jardim, desde o Pavilhão até à Capela de Carlos Alberto, envolvendo o lago que desaparecerá na sua forma actual e criando na prática uma frente de betão num dos mais belos espaços verdes da cidade do Porto.
Diz quem sabe que uma tal construção implicará o corte de árvores, o que aparentemente contradiz as afirmações do arquitecto José Carlos Loureiro, responsável pelo projecto. Mais precisamente 13 árvores de grande porte e considerável interesse botânico e patrimonial. As obras poderão ainda afectar mais 17 árvores de igual importância.
Não sei se o Porto necessita de um centro de congressos e outros eventos, «pólo de atractividade de carácter internacional» (conforme se pode ler na revista da Câmara Municipal.) O que sei é que nada justifica amputar aqueles jardins e ocupá-los com cimento armado.
Esta tendência para, quase em permanência, os poucos espaços verdes de que dispomos serem palco de «inovações» as mais variadas e de diversas proveniências, algumas com motivações sem dúvida positivas mas deslocadas no espaço e na prática desrespeitadoras dos lugares, merece reflexão.
Serão os jardins os únicos locais com área livre e pouco dispendiosa— visto que são propriedade pública— para assentar projectos novos, para instalar equipamentos que faltam, para suprir carências urbanas? Estariam assim relegadas para a categoria pouco nobre de «zonas expectantes» ou quase, cuja função e carácter original poderia ser subvertido ao sabor das ideias e necessidades do momento.
Creio que importa rejeitar esta noção nunca assumida mas aceite e praticada de forma consuetudinária e recorrente.
Talvez fosse bom dotar os jardins, os espaços verdes públicos e os sistemas naturais urbanos de um estatuto que, sem fixar rigidamente uma norma geral de intocabilidade, protegesse essas zonas à luz de um certo «princípio de estabilidade» que vem faltando.

Em matéria de jardins, e mais ainda de jardins históricos, não são precisas muitas surpresas e reclama-se alguma segurança em termos de função, de uso e de integridade paisagística e patrimonial.
Demasiadas vezes temos lastimado intervenções mais ou menos abruptas, mais ou menos modernizadoras, que mais tarde já todos condenam— será preciso lembrar o desastre da Cordoaria?
E o mais curioso é que a Câmara tem vindo até a aprimorar a gestão dos jardins do Palácio, desde o momento em que a sua tutela passou da Porto Lazer para o pelouro do Ambiente, cessando as podas brutais das árvores e melhorando o estado daquele conjunto inestimável.
Ainda há tempo para repensar o projecto e impedir o que seria um desacerto lamentável, um passo na direcção errada.
Bernardino Guimarães
(No Jornal de Notícias de ontem dia 21 de Julho 2009)

2 comentários:

  1. Deixei uma ligação para este post no blog do Movimento em Defesa dos Jardins do Palácio.
    http://defesadopalacio.pegada.net/
    Unidos, conseguiremos travar mais este atentado ao património.

    ResponderEliminar
  2. Quero pedir-te para assinares e divulgares a petição para um referendo local sobre este assunto, disponível em:
    http://defesadopalacio.pegada.net/?page_id=236
    1 abraço

    ResponderEliminar