quarta-feira, agosto 19, 2009

O VERÃO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

1) Apesar da (quase) pausa estival, não cessam as angústias de quem se preocupa com o Ambiente. Vivemos «tempos interessantes», tão temidos pela secular sabedoria oriental. Quem aqui caísse vindo de Marte dificilmente entenderia o sentido daquela declaração dos países da cimeira G8, ou dos ricos, segundo a qual «a temperatura média da Terra não pode subir mais que 2 graus». Quais novos feiticeiros, fazem a chuva e o bom tempo…só não dizem como o farão. E nessa cimeira nada ficou estabelecido quanto a medidas efectivas para a redução dos gases de efeito de estufa, causa maior das mudanças climáticas que já se sentem. Foi então uma invocação mágica?

2) Por cá as lamentáveis incidências do Estio, ajudado pela proverbial inconsciência: fogos florestais que este ano já ultrapassaram, em superfície queimada, o ano anterior. Mais que do dispositivo montado, que não foi ainda testado em catástrofes como as de 2003, tudo depende da meteorologia. Em volta do Grande Porto, a devastação foi já grande. E grande é o desordenamento das matas e a desarrumação do território, a proliferação de lixeiras e de queimadas imprevidentes. O pouco de verde que o betão não logrou alcançar, varre-o o incêndio.

3) Nos programas dos candidatos autárquicos ambiente, (energia, ordenamento do território), será prioridade? Nada o indica. Na Área Metropolitana do Porto precisa-se de uma alteração radical. Quem quer travar a expansão urbana insensata e apostar tudo na reabilitação do edificado? Quem mete ombros à tarefa de proteger os solos produtivos, os bosques e os cursos de água, a biodiversidade? Quem quer deixar de vez o modelo do cimento e das auto-estradas, dos hipermercados e do automóvel como base do consumo e da mobilidade? E quem aposta na eficiência energética a sério, na disseminação da energia solar e da microgeração, na humanização das cidades, passando pela reconstituição dos «corredores verdes» vitais para o suporte e qualidade de vida?
A mesma dúvida para o cenário nacional— depois de quatro anos e meio sem política ambiental digna desse nome, sem ministério que se visse e actuasse, com recuos de toda a ordem e impasses que pagaremos caro— não se vê que exista vontade de alterar esta situação, insustentável em todos os sentidos. O país que se orgulha de dispor de muita energia renovável, aposta todas as cartas nas auto-estradas; para produzir energia «limpa» condena-se a Natureza e a biodiversidade com enormes barragens nos locais errados; e o saldo das nossas emissões de gases de efeito de estufa continua pesado, mercê do desperdício de energia e de uma política arcaica que depende dos combustíveis fósseis e apenas favorece as grandes empresas de construção. A opinião pública já nem acha estranho que se esteja a construir uma terceira (!) auto-estrada Porto-Lisboa. E tudo, anestesiado, gira como se fosse lógico e racional.
Falta aqui, como dizia Cesariny, «uma grande razão.» E vontade de mudar um sistema que apodrece a olhos vistos!

4) Falemos da rola-brava. Desde o dia 15 de Agosto, os caçadores demandam, espingarda em riste, as últimas rolas-bravas, espécie que não devia sequer ser considerada cinegética, tal é o seu declínio. Mesmo no Grande Porto, em certos locais favoráveis, as rolas são alvo, sabendo-se que esta época é ainda de nidificação. Não resta mais do que apelar à consciência do governo— e dos caçadores! Para que o massacre cesse e não venha a ser o caso de lamentarmos, no futuro próximo, a extinção de uma ave que até há pouco…era «comum».
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias, 18/8/09)

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