quarta-feira, dezembro 23, 2009

ESPERANÇA, APESAR DE TUDO

A Conferência Mundial de Copenhaga não soube dar-nos mais, após tanto trabalho e negociações prolongadas, do que um mesquinho e triste presente de Natal. O lamentável resultado já era esperado pelos mais pessimistas. Sequestrada pelas divisões nunca devidamente geridas entre países «pobres» e «ricos», confinada ao exíguo espaço deixado pelos egoísmos nacionais, a Conferência foi um exercício falhado de geopolítica que deixou tudo praticamente na mesma. Deixar na mesma é deixar pior— a menos que se sustente que basta pronunciar as palavras mágicas que proíbem a temperatura de subir mais que 2 graus no decorrer deste século!
Este fracasso lança sobre o Natal do mundo um espesso manto de desânimo. Sendo as coisas o que são, e tendo os políticos falhado, que nos resta agora? Assistir a novas rondas negociais para a redução de gases com efeito de estufa apenas quando as catástrofes climáticas se abaterem, com todo o seu peso sobre muitas regiões do globo— mas afectando todas? Parece que o rasto da crise económica fez esquecer a «crise ecológica», como se uma e outra não fizessem parte do mesmo «pacote» que nos indica um mundo seriamente desgovernado e carregado de ameaças na entrada do século XXI.
Talvez o clima frio desta época na Dinamarca— e na Europa— tenha de algum modo desempenhado um papel subliminar na história desta oportunidade perdida. A neve cobrindo as ruas não configura o melhor cenário para consciencializar os representantes das nações acerca dos perigos letais do «aquecimento global.» Mas suspeito que mesmo uma conferência feita no Quénia— onde a seca dura há dez anos e o monte Kilimanjaro já quase não tem neve— não teria sido capaz de criar «clima» para o acordo político vinculativo, abrangente e com metas definidas que a opinião pública esperou.
Quanto a clima, já se sabe que está a subir em média no mundo inteiro. Quem pagará primeiro o preço será talvez quem menos poluição produz e emite, em países pobres onde a escassez de água é endémica e se vem agravando.
Mas uma nota curiosa e preocupante diz respeito a Portugal: aqui o aquecimento registado é maior do que a média global e europeia.
“Verifica-se um aumento da temperatura média de 0,33 graus à década, um ritmo de crescimento superior ao que se verifica fora de Portugal, em termos mundiais. A temperatura de 2009 ficou muito acima dos valores médios, quase um grau”, afirmou Adérito Serrão, presidente do Instituto de Meteorologia. E acrescentou este responsável: “O aumento de 0,33 graus à década é muito significativo. Com este ritmo, em 60 anos atingiam-se os dois graus de aumento de temperatura média em Portugal, isto a manter-se o ritmo e se não fosse inclusivamente agravado, porque a tendência é de ligeiro agravamento desta elevação da temperatura”.
Razão para nos preocuparmos!
Apesar de tudo, a esperança permanece. Os cidadãos podem reagir a este desaire fazendo valer a sua força. As iniciativas locais, das cidades e regiões, das empresas, públicas e privadas, do mundo associativo, ganham ainda maior importância, no planeamento urbano e eficiência energética, na busca de outros modelos de mobilidade, no consumo que se precisa mais sóbrio, inteligente e responsável.
O Natal ensina-nos que o desalento não é uma opção. Em qualquer lugar, por mais insignificante, na dimensão do que é pequeno e aparentemente frágil, por vezes ouvem-se as vozes que pareciam silenciadas, as palavras que todos ignoravam, iluminam-se cenários até aí escondidos e acontecem, quando nada o faria prever, coisas surpreendentes— e tudo volta de novo a ser possível.
Feliz Natal!
Bernardino Guimarães
(Crónica no Jornal de Notícias, 22/12/09)

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