quinta-feira, março 25, 2010

AGIR


No passado sábado, dezenas de milhares de cidadãos, dedicaram-se à tarefa de «Limpar Portugal» --assim se chamou o projecto mobilizador de energias cívicas mais importante dos últimos tempos. Indiferentes à chuva, os voluntários atiraram-se com determinação aos milhares de lixeiras que proliferam pelo país inteiro, esses lamentáveis símbolos de um certo «país real» que nos persegue. Foram muitas as montureiras de resíduos de toda a espécie que viram aliviada a sua carga, e muitas as toneladas de lixo recolhido. Mas mais importante que isso— foi visível e evidente o exemplo que se espera frutifique neste começo de Primavera.
A falta de civismo, o desmazelo, a pura estupidez na forma como muitos se relacionam com o espaço público, uma pesada herança de ignorância e de falta de educação, somada à incapacidade e alheamento das autoridades—a começar pelas autarquias locais—acumulou-se às toneladas em matas, caminhos e campos, conspurcando tudo, contaminando a imagem do país e envenenando solos e águas. Se esta mobilização ímpar não pôde— nem tal lhe era exigido— limpar tudo, chamou a atenção para a feia, dura e suja realidade nacional. Que não pode mais ser ignorada nem consentida. Muitas lixeiras clandestinas voltarão a sê-lo? Por esta altura, poucos dias depois da jornada de limpeza, muitos locais estarão já de novo cheio de resíduos depositados, com impunidade, na calada da noite? Sem dúvida. Mas alguma coisa terá ficado nas consciências e na memória das gentes— espera-se. E caberá agora às autarquias, manter limpos os locais que nunca deveriam ter sido contaminados.
Até porque não deixa certamente de ser embaraçoso, para câmaras e juntas de freguesia, o facto de ter sido um movimento de cidadãos a inventariar, localizar e abordar locais onde se depositam lixos ilegalmente. Onde está o esforço de pedagogia quotidiana, associada à fiscalização devida, que tanto tempo, ninguém exerceu, ninguém achou importante concretizar?
Veremos o que acontece daqui por diante.
Uma coisa é certa: no país onde a passividade e falta de participação dos cidadãos é apontada como uma das causas de tantos males sociais, tratou-se de um desmentido formal; as pessoas começam a perceber que muita coisa pode e deve ser feita, para isso sendo necessário apenas um pouco de esforço e de interesse. Sim, podemos! (como dizia o outro).
Importa reagir ao pasmo com que encaramos a realidade do país, repleta de más notícias, da constatação cruel de cada vez maior violência, corrupção e grosseria nos modos e nas práticas. É importante que nos importemos! Que lutemos, na medida das possibilidades de cada um, pelo interesse público que em tantas ocasiões parece ter sido raptado por conluios privados, pela ganância e pela brutalidade rotinada.
Defender o ambiente implica empenhamento. Mas não são precisos grandes sacrifícios-- apenas algumas mudanças na maneira como usamos o nosso tempo e vivemos a nossa vida.
Limpar Portugal não foi, não será tarefa fácil. Real e simbolicamente, é muito o lixo que nos atravanca. Mas diz-nos respeito a solução dos problemas de todos.
Uma tarefa que agora começou com bons augúrios e que, em boa verdade, nunca estará terminada.
Bernardino Guimarães
(Crónica na Antena 1, 25/3/010)

1 comentário:

  1. Infelizmente esta falta de civismo e zelo pela coisa pública não é um caso particular de Portugal, é um fenômeno mundial e que por mais que todos concordemos que isso precisa ser consertado e resolvido de uma vez por todas as cidades continuan sujas, os rios poluídos e por ai vai.O importate é realmente acreditar que atitudes como as da reportagem realmente surtam o efeito esperado e de preferência em curto
    prazo.

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