Muitas das polémicas suscitadas pela defesa de «causas ambientais» radicam numa incompreensão de base, quando não em grosso equívoco: os defensores da Natureza pretendem a preservação de valores ambientais, um rio, um vale, uma floresta, uma zona húmida, que deverão prevalecer em prejuízo de infra-estruturas que pretensamente induzem «progresso» e até «desenvolvimento». Em alternativa radical, a preferência por um desses valores implica a recusa do outro. Se mantemos a paisagem natural, não teremos auto-estrada e barragem e hipermercado, por exemplo. Não admira que o mais das vezes a Natureza fique para trás, porque interesses poderosos podem esgrimir com o argumento (dito de forma definitiva e grave) de que as necessidades humanas de «desenvolvimento», e as promessas de mais emprego e mais prosperidade, não devem ser prejudicadas pelo amor às belezas naturais. Poucos falam do valor que se perde e fica a ideia de que prevaleceu o «realismo».
Significa isto que é preciso abordar, em profundidade, o problema do «valor» da Natureza em termos, não apenas espirituais e culturais, ou éticos, mas igualmente em termos económicos. O divórcio antigo entre Ecologia e Economia tem marcado as grandes decisões do nosso tempo— pese embora a sintomática origem comum das duas palavras. Ambas as disciplinas são jovens enquanto ciências e não tem sido fácil acertar contas entre instrumentos de análise que nos habituámos a ver como «opostos».
Um grande economista português, interessado de forma precursora na Ecologia, Henrique de Barros (que foi em 1975 presidente da Assembleia Constituinte) escreveu que «toda a actividade económica se insere na biosfera» o que justifica tentar «o alargamento do campo de visão dos economistas para além do que é mercantil» e também «a consciencialização económica dos ecologistas». Para este autor a Ecologia privilegia o «homem natural» e a Economia o «homem social»; o âmbito de acção da primeira é o estudo das formas de vida em relação, a segunda observa o mercado e a competição. A Ecologia foca a globalidade e o «ser», a Economia tende para o parcial e para o «ter». Mas, avisa Henrique de Barros, que não é possível continuar a ver a riqueza de uma nação dentro do apertado crivo do PNB, hoje PIB-Produto Interno Bruto, porque este meio de análise não contabiliza o valor dos ecossistemas naturais nem o custo da sua destruição. Além de que «o crescimento económico constante é apenas a filosofia do impossível, a não ser que se trate de crescimento para o caos, se entendermos que tudo finda na morte».
Os leitores hão-de perdoar-me esta incursão por terrenos que não cabem na crónica. Mas quero dizer que existe o «pecado original» da desvalorização da Natureza— com trágicas consequências.
Enquanto em todo o mundo se procura reconciliar teoricamente as duas disciplinas irmãs e inimigas, no concreto se vê ao que chega a separação delas: a nossa economia faz mal, ou nem faz, as contas necessárias. O que vale mais, o rio Tâmega, o rio Tua, o Douro, que são água, fauna e flora, pesca e recreio, paisagem atractiva, agricultura e economia local, património natural e cultural— ou as barragens que prometem aprisionar os rios em paredes de cimento? Na economia que temos, ganham as barragens e suas «vantagens» imediatas. Mas será lógico não atribuir valor económico ao que os rios dão e representam? O mesmo para uma floresta--que só entra nas contas do PIB se for cortada e vendida aos toros!
Muito para mudar na definição do que é riqueza e do que não é. Entretanto, arriscamo-nos a ficar mais pobres, em vários sentidos, em nome de ganhos fugazes e enganosos!
Bernardino Guimarães
(Crónica no Jornal de Notícias em 30/3/010)
quarta-feira, março 31, 2010
CONTABILIDADE
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"«pecado original» da desvalorização da Natureza— com trágicas consequências."
ResponderEliminarE muitos outros pecados originais...pensa bem!