segunda-feira, março 08, 2010

TIGRES E ABELHAS


Que interesse tem— dirão muitos— saber que já só existem cerca de 3000 tigres no mundo, distribuídos por vários países asiáticos e que o seu número não cessa de diminuir? Ou que um terço das espécies de anfíbios está em perigo crítico de extinção?
Para quem não tenha, dentro de si, e forte, o amor pela Natureza e pelas criaturas silvestres, que importam estas notícias de alarme?
Podemos viver sem tigres, é certo. O maior dos felinos, que povoou os sonhos do escritor Jorge Luís Borges e do pintor Dali, e deu cor e alma a uma das personagens maravilhosas do Livro da Selva de Kipling, está perto da derradeira hora.
A sua beleza, o seu poder e fascínio, a função ecológica que desempenha (ou desempenhava) no imenso território que vai das florestas siberianas às profundas selvas monçónicas, tudo isso deveria pesar. Mas reconheça-se: sempre haverá quem ache que bastam as imagens que ficam gravadas para memória futura, que o mundo não acaba por causa dos tigres.
Então, transferindo na geografia, «felinidade» e ameaça de extinção, a sorte do nosso lince-ibérico também não comove parte substancial da opinião pública.
Entre desemprego, problemas diversos e uma sensação de crise que já se nos colou à pele como uma doença, e por outro lado as múltiplas diversões que vão preenchendo os nossos vazios, que espaço há para o caso (ou ocaso) das extinções?
Talvez devêssemos pensar melhor e ver mais longe. O estado calamitoso dos nossos rios (e portanto de um recurso sem o qual não há vida nem futuro) ilustra-se na espada que paira sobre as espécies de peixes de água doce da fauna portuguesa. Mais de 70% dessas espécies encontra-se seriamente ameaçada. Algumas só existem aqui, são endemismos, património nacional natural.
Talvez esta última informação interesse já a um número considerável de cidadãos.
Que dizer ainda do que se passa com a flora (também em Portugal) com o perigo que pende sobre muitas espécies de plantas, quer selvagens (onde se contam algumas das que fornecem as moléculas utilizadas nos mais diversos medicamentos) quer «domesticadas» --variedades agrícolas que se perdem dia a dia em função da cada vez mais intensa uniformização dos cultivos, crescentemente simplificados e pobres em termos de diversidade, numa deriva para a erosão genética que há-de considerar-se inquietante.
Espero que com isso se impressionem outras tantas pessoas.
Mas, se não é suficiente, falemos então de abelhas (e de outros muitos insectos polinizadores) que estão a declinar a olhos vistos em todo o mundo. Insecticidas e herbicidas disseminados (os tais que esterilizam as aves e transformam rãs machos em fêmeas) e a destruição da vegetação natural estão a fazer desaparecer estes nossos pequenos e imprescindíveis aliados. As próprias colmeias «domésticas» onde se fabrica o mel acusam problemas sérios para grande preocupação dos apicultores e agricultores. Sem polinização, que seria da nossa produção de alimentos? Uma catástrofe natural, causada pelo homem, pode bem ser uma ameaça ao nosso modo de vida, uma ameaça silenciosa e letal.
Se calhar, tigres e abelhas, na sua triste queda, revelam o mesmo problema em facetas diversas.
Pode ser que apeteça ficar indiferente e cínico. Mas faríamos bem em preocupar-nos. A crise da Natureza, tudo o indica, é a nossa própria, humana crise.
Bernardino Guimarães
(Crónica na Antena 1, em 3/3/010)

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