sexta-feira, abril 30, 2010

CRIME URBANÍSTICO


Depois de tantas hesitações e falsas partidas, eis que o parlamento procura dotar o país de leis que defendam a comunidade da praga da corrupção. Ainda bem. Nenhum país e nenhuma democracia resistem durante muito tempo à sensação de impunidade, de compadrio e de falsificação das normas mais elementares. Se é certo que a nossa cultura tem sido permeável a uma atitude de «tolerância» ou indiferença face aos crescentes sinais de corrupção, bem como ás pequenas corrupções do quotidiano, a cunha, o favor, a prenda, o amiguismo— onde tudo verdadeiramente começa— agora parece que despontou alguma consciência para a gravidade do fenómeno.
A eclosão de sintomas de que vivemos uma «república dos negócios» em que o bem público é muitas vezes sequestrado por interesses privados inconfessáveis, que pilham a riqueza nacional e privatizam aquilo que devia ser de todos, tornou o clima irrespirável, e alguma coisa terá de ser feito.
Mas o que se precisa é de medidas que vão fundo e responsabilizem, que tornem realmente difícil e perigoso ceder à tentação do submundo do suborno e da perversão das normas. E justiça que funcione.
Na área urbanística e do ordenamento do território, a lógica enviesada da corrupção—e a sua prática impune—tem causado estragos e prejuízos que nunca poderão ser reparados. Talvez mais do que em algum outro sector, dificilmente se compreende como foi possível destruir tanto a paisagem, desfigurar vastas zonas do país, diminuir os valores naturais e patrimoniais, tornar mais desagradável e dura a vida nas cidades— sem a mão oculta dos «negócios». Não quer isto dizer que muita asneira não se deva somente a ignorância e a incompetência. Sabe-se porém que o lucro ilegítimo e a subversão dos deveres públicos terá tido aqui um papel que só pode ser substancial!
Fomos demasiado longe na lógica do betão, nas obras inúteis, na construção desenfreada e nos locais errados, com custos imenso que estamos a pagar e que as gerações futuras pagarão ainda mais.
Daí que seja urgente criar formas de deter este processo insano que empobrece Portugal e degradada, em última análise, o quadro de vida de todos.
Está à vista de todos: o nosso litoral devastado e erodido, as reservas agrícolas e ecológicas amputadas e desvirtuadas, os rios e ribeiros entubados, as estradas que apenas servem como «frentes de construção», o desprezo pelo ordenamento do território e até pelas normas elementares de prevenção e segurança de pessoas e bens.
Encontra-se o parlamento, pressionado pelos sucessivos e nunca esclarecidos escândalos, a reflectir sobre legislação que defina melhor «crime urbanístico» e puna quem a troco de favores ignore as normas e leis no licenciamento de construção. Mas nada será efectivo sem que se penalize a mudança não fundamentada de terreno agrícola ou protegido para urbano, com as respectivas mais-valias duvidosas e chorudas. Sem que se desligue o financiamento das autarquias dos impostos sobre a construção, verdadeiro motor do caos urbanístico e indutor de corrupção evidente.
Será que de facto, alguma coisa vai mudar? Teremos o «crime urbanístico» na lei, quando há tanto tempo o temos já no quotidiano, para nosso grande mal?
Bernardino Guimarães
(Crónica para Antena 1, 29/4/010)

1 comentário:

  1. Pois já é mais que tempo de se por termo a estes crimes urbanísticos e ambientais cometidos em nome de interesses privados e altamente danosos para o património natural e urbano comuns. É absolutamente inaceitável, por exemplo, que determinadas pessoas e grupos económicos consigam ultrapassar a lei e "não se sabe como" obter favores e licenças de construção em áreas protegidas, etc.
    É caso para dizer, neste e noutros campos, que qualquer semelhança entre este nosso Portugal e uma república das bananas, não é mera coincidência!!

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