quarta-feira, setembro 15, 2010

FLAMINGOS E ESPERANÇA


Em Agosto, com a cidade em plena acalmia estival, um grupo de flamingos foi notícia; estas aves esbeltas e róseas escolheram o estuário do Douro para uma curta estadia. Não é comum encontrar os bandos de pernaltas cor de rosa nestas paragens, já que as deambulações de Verão as levam quase sempre para zonas húmidas mais a sul. Para além do relativo ineditismo e da beleza da imagem, esta visita serviu também para ilustrar que a Natureza nos revela, quando menos esperamos, que não está disposta a desistir dos meios urbanos e dos ambientes mais humanizados. A tremenda e lamentável poluição do Douro—demonstrada em estudos recentes—e o cerco, tão visível do betão na envolvente do estuário, não chegam ainda para eliminar a esperança, relembrada sob a forma destas aves, num local que agora será reserva natural e que é um verdadeiro paraíso da biodiversidade na região. Dito isto, os incêndios devastadores afectaram rudemente as áreas que o Estado consagrou como «protegidas». Enquanto o que resta de verde no Grande Porto se esfumava, caindo em cinzas na cidade meia vazia, sabia-se da destruição das áreas mais sensíveis do Gerês—nosso único Parque Nacional—e em vários outros locais insubstituíveis.
Sinal, entre tantos outros, de que o mesmo Estado desinvestiu dramaticamente na conservação da natureza e dos ecossistemas, matando pela penúria e pelo esquecimento quaisquer esforços de protecção e gestão adequada. Erro terrível, que nos últimos anos lamentavelmente se acentuou. Se a ideia é poupar, cortando cegamente no essencial e no que é dever indeclinável do Estado, então mais cedo do que tarde, essa redução de custos revelar-se-á como o maior e mais insensato dos desperdícios.
Por todo o lado, onde se debate o estado do mundo e o futuro da humanidade, procura-se iluminar a noção de « serviços dos ecossistemas», coisas que alguns desprezam ainda, mas que são vitais para a nossa vida: a manutenção do solo fértil, a água, a captação de carbono atmosférico, a paisagem e seu valor económico, cultural e social, a diversidade das espécies em terra e no mar, animais e vegetais, sem os quais está ameaçado o nosso modo de vida, alimentação e mesmo avanço científico.
Preservar a Natureza não é luxo, nem saudosismo, nem arremedo estético e ético para aliviar más-consciências: é um problema de sobrevivência.
As cidades precisam de responder a este repto.
Vale a pena trazer aqui um relatório muito recente da ONU, que deveria ser lido pelos nossos autarcas e outros agentes políticos:
O novo relatório, intitulado «A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade para Políticas Locais e Regionais» elaborado no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), «convida os decisores locais a compreender o valor do seu capital natural assim como dos serviços oferecidos pelos ecossistemas, e dar prioridade ao que diz respeito aos benefícios da natureza em áreas de política local como a gestão urbana, ordenamento territorial e gestão de áreas protegidas».
O relatório destaca a dependência que as cidades têm da natureza, e ilustra como «os serviços dos ecossistemas podem oferecer soluções eficazes para os serviços municipais».
Um documento para reflexão urgente. Até porque, como se diz no texto: «mais da metade da população mundial está nas cidades e já é responsável pelo consumo de 70% de todos os recursos que o homem retira da natureza. Até 2050, com a estimativa de que a população do planeta supere 9,2 biliões, a Terra terá 6 biliões de habitantes--quase 90% da população actual-- vivendo no espaço urbano».
Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias em 14/9/2010)

1 comentário:

  1. A preservação da biodiversidade é uma obrigação social.As decisões institucionais são importantes mas ,só o envolvimento dos cidadãos,permitirá atingir o objectivo essencial que é acabar com a perda da biodiversidade.
    A revista da Ordem dos Biólogos( Agosto 2010)tem como tema de destaque BIODIVERSIDADE.Muito bom.

    ResponderEliminar